AS EXPOSIÇÕES DO CPBD (2) – “OS 80 ANOS D’O MOSQUITO”

CPBD (C. Gonçalves e G. Lino)

A segunda exposição patente, até ao próximo dia 12 de Março, no Clube Português de Banda Desenhada (CPBD) — cuja nova sede, convém recordar, fica na Reboleira (Amadora), onde dantes existia o CNBDI —, engloba vários painéis dispostos ao longo das paredes de uma das suas maiores salas, contígua a outro espaço, no rés-do-chão, onde figura a expo- sição permanente dedicada ao historial do CPBD (já com quatro décadas de vida).

Nesses painéis, de apresentação idêntica aos da exposição “Tributo a Eduardo Teixeira Coelho”, já aqui referida, podem observar-se várias histórias publicadas pel’O Mosquito, ao longo dos seus 17 anos de existência (na 1ª série, que durou de Janeiro de 1936 a Fevereiro de 1953), expostas directamente nas páginas impressas, pois nem mesmo os originais de E.T. Coelho e de outros autores portugueses existem já, na maioria dos casos.

Nas legendas desses painéis, houve o cuidado (que elogiamos) de referir também o nome dos respectivos desenhadores, mesmo os das histórias estrangeiras (sobretudo inglesas), que naquela época ninguém conhecia.

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Como fizemos com o artigo alusivo à exposição de homenagem a E.T. Coelho, divulgamos seguidamente outro texto do Clube Português de Banda Desenhada, patente na mostra dedicada aos 80 anos de nascimento d’O Mosquito. Agradecemos ao CPBD (e particu- larmente a Carlos Gonçalves) a partilha destes trabalhos, que seria pena ficarem limitados a duas exposições que em breve serão encerradas para darem lugar a outros eventos, como oportunamente anunciaremos.

Lembramos, mais uma vez, a todos os interessados que até 12 de Março p.f. poderão ainda visitar estas mostras, na sede do CPBD, aberta todos os sábados, das 14h00 às 18h00 (com direito, portanto, a visitas guiadas).

Nota: o registo fotográfico da exposição “Os 80 Anos d’O Mosquito” é de Dâmaso Afonso, a quem endereçamos novamente os nossos agradecimentos.

OS 80 ANOS DA REVISTA “O MOSQUITO”

Nós, que estamos ligados à Banda Desenhada há décadas, custa-nos admitir que são já passados 80 anos sobre o primeiro dia em que a revista “ O Mosquito” seria publicada. Estávamos a 14 de Janeiro de 1936. Hoje torna-se fácil considerar que, na verdade, era uma publicação que faria História, não só como publicação infantil, mas também como um veículo privilegiado na divulgação de cultura. Tal deve-se à simbiose perfeita encontrada entre dois homens, um desenhador cheio de talento e de ideias, António Cardoso Lopes (Tiotónio), e outro repleto de amor pelo próximo, poeta, escritor e um grande homem da prosa, Raul Correia. Considerando as décadas que já passaram e o sucesso que esta revista teria ao longo dos anos em que seria publicada, teremos que admitir que estava encontrada a fórmula secreta para tal realidade. Quanto a nós e na época em que a revista é publicada, os contos tinham maior divulgação e eram tão ou mais bem aceites que a Banda Desenhada, embora esta não deixasse os seus créditos esquecidos, pois para ela também existia um público fiel. No entanto, o conto estava mais enraizado nos leitores, até por ensinamentos nas escolas, e já assim tinha sido nas revistas “ABC-zinho” e “O Senhor Doutor”, onde se revelaram grandes novelistas portugueses. No campo dos contos encontrava-se a mão de Raul Correia, que, logo a partir do número 1 da revista, inicia a publicação de um conto em episódios da sua autoria.

Evidentemente que a banda desenhada publicada possuía o seu interesse e encantava também os leitores, já que a publicação das aventuras de “Rob”, de Walter Booth e as de “Mick. Mock e Muck”, de Arturo Moreno, acabariam por alcançar uma certa aceitação ao longo dos meses. Esta última série acabaria mesmo por ser republicada em quatro pequenos volumes, mais tarde. Outras histórias seguir-se-iam, todas elas com um grafismo cuidado e onde se destacava um humor salutar, a maior parte delas de origem inglesa. Também no campo da aventura não faltavam novas séries igualmente de origem inglesa, tais como “A Flecha de Ouro”, de Reg Perrott, dois anos depois, e “O Gavião dos Mares”, de Walter Booth. É extraordinário como uma revista com 8 páginas apenas, embora num formato A4, conseguisse tal êxito… Raul Correia manteria a autoria dos textos, não só dos contos como das legendas didascálicas, como era usual na época, muitas delas criadas ao sabor da pena e poucas traduzidas dos seus textos originais ingleses. Uma nova equipa de contistas tinha-se associado à publicação com a contratação de Lúcio Cardador e Orlando Marques. O formato da publicação mantém-se no A4, até que a falta de papel no tempo da guerra obriga a uma redução de pelo menos uma folha (2 páginas) e o seu formato passa a ser o A5, com 12 páginas, a partir do seu número 318.

UM NOVO DESENHADOR SURPREENDE OS LEITORES

No entanto, estava a dar-se um facto muito importante, pois este é o período áureo desta publicação, com o aparecimento de um desenhador português, chamado Eduardo Teixeira Coelho (mais conhecido por E.T. Coelho ou ETC), que alcançaria uma carreira internacional, mais tarde, e que a partir de finais de 1942 passa a desenhar as capas da revista. E facto curioso é que as capas desenhadas por este grande artista eram essencialmente dedicadas aos contos. “O Mosquito” passará então a ser apresentado duas vezes por semana, com uma tiragem de 25.000 exemplares por número, um acontecimento deveras importante e que até aí nenhuma publicação do género alguma vez alcançara. Esta situação seria mantida por três anos, com as aventuras de “Cuto”, de Jesús Blasco, e outras histórias dos seus irmãos Adriano e Alejandro Blasco, além de dois novos desenhadores portugueses, que se tornariam igualmente famosos, Vítor Péon e Jayme Cortez, que passam a distribuir o seu talento pelos vários números da revista, até partirem para o estrangeiro, o primeiro para Inglaterra e o segundo para o Brasil, onde se tornará num caso único de popularidade junto de todos os desenhadores daquele país, tendo sido considerado um verdadeiro “Mestre”, como era muitas vezes designado pelas suas qualidades artísticas, existindo hoje um prémio naquele país com o seu nome.

“Os Guerreiros do Lago Verde” marca a estreia de Eduardo Teixeira Coelho na elaboração e execução de uma história aos quadradinhos, facto até aí inédito e onde pela primeira vez este desenhador oferece-nos extraordinárias pranchas em que retrata vários animais de uma forma arrojada, não descurando a sua aptidão para tal facto o ter passado várias horas no Jardim Zoológico a esboçar cada um dos animais que irão aparecer mais tarde, nas suas histórias (o tigre, os macacos, o rinoceronte e a sua luta contra o leão). ”O Capitão Meia-Noite” é outra das personagens de sucesso, da autoria de Walter Booth. Ainda nesta fase as histórias de “Cuto”, de Jesús Blasco, dão um salto qualitativo, que irá surpreender os leitores, tal é o realismo que este artista imprime às suas pranchas.

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OS ESCRITORES DA REVISTA

“O Mosquito” não circulava com sucesso pelos vários escaparates onde era colocado semanalmente à venda, só pela publicação das suas histórias aos quadradinhos. O seu peso literário também contava e muito na época. Era também devido ao esforço e dedicação de alguns novelistas da altura, que ofereceram os seus préstimos e os seus talentos, que esta publicação era bem aceite pela maior parte dos seus leitores. Independentemente de Raul Correia, que tinha a seu cargo alguns contos no início, a sua rubrica de “O Avozinho” e também a troca de correspondência com os leitores (respondendo na revista, mas também particularmente pelo correio), estava por detrás dos textos das novelas publicadas nas páginas da revista a mão de José Padinha (Peter Tenerife e outros pseudónimos), que nos deixou alguns contos cheios de ação, aventura e galhardia, seguidos igualmente de outros contos da autoria de Orlando Marques, qualquer um deles os mais prolíferos e destacados autores de novelas da revista. Não esquecer também os trabalhos de Fidalgo dos Santos, Roberto Ferreira (Rofer), Lúcio Cardador e António Feio. Todos eles contribuíram para que “O Mosquito” se destacasse neste campo.

MAIS UM NOVO FORMATO

A partir do seu número 681 passa para o formato anterior, o A4 de novo e com 8 páginas, embora este número se apresentasse com um suplemento de mais 16 páginas com uma história de Emilio Freixas, intitulada “Uma Estranha Aventura”. A partir deste número, o trabalho de ETC é ainda mais importante do que até aqui, pois além de executar muitas capas, desenha também mais uma história aos quadradinhos intitulada “Os Náufragos do Barco Sem Nome”, onde este artista, já na plenitude das suas qualidades artísticas, nos deslumbra com pranchas de excelente valor artístico. “A Epopeia do Forte Arizona”, de Cozzi, surge nesta fase, bem como outras histórias da sua autoria. Temos igualmente “O Caminho do Oriente”, de ETC, que se irá transformar num caso raro de popularidade e de longevidade. José Garcês inicia-se nesta fase também, com 18 anos de idade. A sua história “Intitula-se “O Inferno Verde”. Ainda que jovem, este desenhador acabará por se firmar com o seu talento e criará mais três histórias ao longo dos números da revista.

Será também nas páginas desta publicação que as aventuras do “Príncipe Valente”, de Hal Foster, aparecerão pela primeira vez em Portugal. “Tommy, o Rapaz do Circo” merece uma referência especial pela qualidade do seu traço, da autoria de John Lehti. Os enredos também não falhavam quanto à sua potencialidade literária. O desenhador de craveira que era Eduardo Teixeira Coelho, continua a oferecer-nos elevados resultados na contínua procura e concretização das suas potencialidades de desenhador e oferece-nos novas aventuras: “Sigurd, o Herói”, “A Lei da Selva”, um dos seus melhores trabalhos, “A Morte do Lidador”, “O Defunto”, “Lobo Cinzento”… Aparecem mais alguns artistas portugueses a colaborar na revista, infelizmente menos conhecidos, como são o caso de Monteiro Neves e, mais tarde, Ilberino dos Santos. Ruy Manso e Servais Tiago também já tinham colaborado na revista.

 AS HISTÓRIAS DE HUMOR

Não queremos deixar de fazer um pequeno parêntesis para lembrar as histórias de humor de uma única página que “O Mosquito” publicou ao longo da sua existência, da autoria de grandes desenhadores, a começar pelo próprio António Cardoso Lopes (Tiotónio) e acabando em Cabrero Arnal, passando por Arturo Moreno e os irmãos Adriano e Jesús Blasco. Todos eles desenhadores de sucesso, souberam imprimir aos seus trabalhos de uma página um verdadeiro manancial de alegria e divertimento para todos os leitores daquela publicação. Evidentemente que a revista dava lugar também ao humor em algumas histórias de continuidade, embora não descurasse as de aventuras, qualquer que fosse o seu género.

A partir do seu número 1201, a revista reduz de novo o seu formato para metade, apresentando mais um excelente trabalho de ETC, “Os Doze de Inglaterra”, agora recuperado e editado em álbum. Nesta fase há uma procura de novas personagens para serem publicadas, de modo a despertar e a renovar um maior interesse pela revista. Surgem assim “Lesley Shane”, de Oliver Passingham, “Jed Cooper”, de Dick Fletcher, “Rex Morgan”, de Bradley e Edington, “Garth”, de Steve Dowling, e “Terry e os Piratas”, de George Wunder. As histórias de origem inglesa com novas personagens iniciam-se neste período, talvez já com um pouco de menor qualidade. É nesta fase, e no início de 1952, que surgirá um novo desenhador português a colaborar na revista. Trata-se de José Ruy, autor de capas e também de uma nova história de Banda Desenhada, intitulada “O Reino Proibido”. Será este artista que irá lançar mais tarde uma segunda edição desta revista, da qual serão publicados 30 números, na expetativa de conquistar novos leitores. Infelizmente tal não se veio a verificar.

Um novo grafismo e um novo formato A4, virá ajudar a revista a apresentar-se com maior aspeto e melhor apresentação. Ainda que esbracejando nesta fase da sua agonia, pouco ou quase nada era possível fazer para salvar a publicação. O fim aproximava-se. As novas personagens irão manter-se e Eduardo Teixeira Coelho continuará a surpreender-nos com as suas histórias, desta vez com adaptações das obras de Eça de Queirós, “A Aia”, “O Tesouro” e “S. Cristóvão”, mas com arranjos de Raul Correia. Via-se que estes dois artistas tentavam impulsionar a revista com todas as suas potencialidades criativas. Todavia a publicação tinha chegado ao fim… mas as histórias não, pois ficariam incompletas. No entanto, e ainda que o seu papel estivesse terminado, não deixaria de ser uma caso único na História da Banda Desenhada Portuguesa, ao tornar-se um marco nesse campo e rivalizando com muitas outras publicações do género, não só pelo seu grande valor artístico como pelo didático.

O GRAFISMO DO “INSECTO” MOSQUITO

Um dos factos curiosos desta revista é a sua evolução e a sua continuidade, na procura da perfeição e no desejo de cativar os leitores durante os anos da sua publicação. Será assim com um pequeno grafismo, mas que será aquele que irá dar nome à revista e sustentá-la de uma forma digna e artística.

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Estamos a falar da figura do mosquito, que se inicia também no nº.1 da revista, encontrando-se no canto inferior esquerdo. É da autoria de António Cardoso Lopes. No nº. 2 vamos encontrá-lo de maneira diferente, desta vez no canto superior esquerdo, depois irá alterando o local de exposição, até desaparecer a partir do nº. 30, voltando de novo, desta vez a partir do nº. 201, e assim se manterá até ao 317. No nº. 318 o seu formato é menor. A partir do nº. 360, altera de desenhador e de aspeto, a montar um cavalo de pau, pois passa a ser criado por ETC. Esta imagem irá ser a escolhida para um dos emblemas de lapela, que a revista criará para os seus leitores. O outro emblema (haverá dois) terá o mosquito a empunhar um chapéu.

Ao longo dos números a figura do simpático inseto vai mudando de grafismo. No nº. 390 surge de laço e cartola. Depois, vai de novo alterando a sua imagem, transformando-se num ardina a vender a revista, até que desaparece de novo a partir do nº. 537. Depois volta, a partir do nº. 642. No 681, devido à mudança de formato da revista para maior, o boneco sofre alterações… é um condutor de automóveis. Depois toca viola. E com várias alterações vai-se mantendo pelas capas até ao nº. 1201, com novo formato, mais uma vez reduzido para metade. No nº. 1373 temos um formato maior, que se irá manter até ao fim da publicação da revista, com mais novos grafismos no que respeita ao boneco, inclusive montado num burro, até acabar por desaparecer.

AS CONSTRUÇÕES DE ARMAR

Desde o início do século XX que algumas revistas infantis portuguesas resolveriam incluir nas suas páginas suplementos que apresentavam uma grande variedade de temas, desde jogos, passando por bonecos articulados, uniformes, figuras de animais, folhetos de propaganda, cupões de concursos, figuras para recortar, calendários, presépios, bonecos/bonecas, com os seus fatos ou vestidos, e mais tarde as Construções de Armar. Todas elas acabariam por ser um fator importante no sucesso da publicação, pois havia sempre alguns leitores que estavam à espera delas para as construírem e divertirem-se.

A primeira revista a incluir esse material nas suas páginas em Portugal seria “O Gafanhoto”, de 1903. Seguem-se o “ABC-zinho”, em 1921, o “Cócórócó”, em 1928, o “Tic-Tac”, em 1932, o “Senhor Doutor”, no ano seguinte, “O Papagaio”, em 1935, e finalmente “O Mosquito”, em 1936, e desde os seus primeiros números. Algumas construções que “O Mosquito” oferece aos seus leitores são de uma qualidade inquestionável, não só pela qualidade da sua conceção e desenho, como pela beleza e interesse. “Um Cruzador”, “Mobília de Bonecas”, “Aviões”, “Carros”, “Um Castelo”, “A Torre de Belém”, “Praça de Touros de Lisboa”, ”Presépios”, cupões de concursos, retratos de artistas de cinema, concurso de selos com artistas de cinema, “Índios e cow-boys”, etc… Seria um manancial de “brinquedos” para gáudio dos leitores da revista. As primeiras construções são impressas a uma cor, outras a preto e branco, mas mais tarde já serão coloridas, o que irá salientar o seu interesse e também a sua apresentação. Todas estas construções eram concebidas e desenhadas por pessoas igualmente ligadas às artes gráficas e arquitetura, como será o caso de Tiotónio, ETC, Vicente Ribeiro, Monteiro Neves, Rocha Vieira, Américo Taborda, A. Velez, etc.

AS EXPOSIÇÕES DO CPBD (1) – “TRIBUTO A EDUARDO TEIXEIRA COELHO”

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Como já largamente noticiámos neste blogue, realizou-se no dia 16 de Janeiro p.p. um grande almoço-convívio comemorativo dos 80 anos de nascimento d’O Mosquito, com a presença de mais de meia centena de bedéfilos, a maioria dos quais antigos leitores e simpatizantes da mais emblemática revista da BD portuguesa, cuja mítica fama atravessou gerações, num exemplo (quase) sem paralelo entre nós.

Mais tarde, na sede do CPBD, à Reboleira (Amadora) — um clube renascido, transfigurado, que quer recuperar os seus pergaminhos, projectando-se com nova dimensão no futuro —, realizaram-se outros assinaláveis eventos, integrados no mesmo festivo calendário.

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Depois de um notável e animado colóquio proferido por Mestre José Ruy, sobre o tema “Como eu entrei para O Mosquito”, que a assistência seguiu com vivo interesse, foram inauguradas as exposições “Tributo a Eduardo Teixeira Coelho” — mostra alusiva aos primeiros trabalhos de ilustração deste genial artista, que rechearam muitas novelas da autoria de José Padinha, Orlando Marques, Raul Correia e outros colaboradores literários d’O Mosquito — e a que ocupa a sala principal do CPBD, desdobrando em dezenas de painéis um abrangente panorama da longa carreira de uma intemporal revista, que marcou de forma indelével a história da BD portuguesa, durante os seus 17 anos de existência (na 1ª série)… tendo tido, até hoje, mais quatro “reincarnações”, de longevidade variável.

Só é pena que nos expositores com ilustrações de E.T. Coelho — bem concebidos e apresentados, como se pode ver nas fotos, tendo ao lado dos desenhos as respectivas páginas d’O Mosquito — faltem as legendas com os títulos das novelas (e seus autores), pois nem todos os visitantes saberão identificá-las de memória.

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Graças ainda a José Ruy, alguns dos presentes tiveram também oportunidade de apreciar várias provas tipográficas e um volume acabado de sair do prelo de “Os Doze de Inglaterra”, uma das maiores obras-primas de E.T. Coelho, que foi, entretanto, reeditada pela Gradiva e já apresentada ao público e à comunicação social.

Neste post, divulgamos também na íntegra o texto alusivo à exposição “Tributo a Eduardo Teixeira Coelho”, que julgamos dever-se a Carlos Gonçalves, um dos fundadores do CPBD e activo membro da sua nova direcção, cujos méritos como articulista, ensaísta, divulgador e coleccionador de Banda Desenhada são bem conhecidos.

Os créditos da reportagem fotográfica são de José Boldt, a quem agradecemos também, mais uma vez, a partilha do seu excelente trabalho.

 TRIBUTO A EDUARDO TEIXEIRA COELHO

Estamos na fase de comemorar o 80º Aniversário da revista “O Mosquito”, uma das principais publicações portuguesas no campo da Banda Desenhada e que alcançaria assinalável sucesso junto de algumas gerações, não só as que fiel e semanalmente adquiriam os números da publicação que eram postos à venda, como aquelas que mais tarde, embora não tivessem lido originalmente a revista, sentiram a necessidade de a colecionar e preservar para novas gerações de leitores. Hoje, temos que admitir que a consulta do papel quase se tem vindo a reduzir de uma forma gradual, ainda que lenta. Os jovens cada vez mais são incentivados para se dedicarem aos meios audiovisuais, pondo de lado o prazer que é cheirar o papel, o tal cheiro que tanto nos entusiasma como apreciadores do papel e da sua leitura. Olharmos para uma revista e ver o seu estado de conservação ao fim de 80 anos, como é o caso dos primeiros números de “O Mosquito”, apreciar fisicamente através do nosso tato, a sua espessura, a textura e a rugosidade, dá-nos um certo bem-estar e até talvez, quem sabe, uma certa bonomia. Temos pois que despertar nos mais jovens o apreço da leitura no papel e não no computador, aparelho frio e distante, que em nada nos entusiasma, antes pelo contrário, nos obriga muitas vezes a sermos escravos da sua atividade, pois sem nós ele não participa em qualquer evento.

De todos os desenhadores da altura em que “O Mosquito” circulava e colaboravam na revista, houve um que se destacou de um modo imparável, vindo a tornar-se a nível internacional um dos maiores artistas portugueses na Banda Desenhada, no estudo das Caravelas e das Armas da época medieval. São bem patentes, a todos os níveis, os conhecimentos que este artista possuía daquilo que desenhava. No início, as capas e ilustrações que começou a produzir para as novelas da revista “O Mosquito”, cativavam os leitores pela impacto de cada cena de ação, com as quais os surpreendia de uma forma positiva. Muitas delas eram empolgantes e a anatomia humana não falhava nos pormenores. Também quando se ocupava dos animais, Eduardo Teixeira Coelho esmerava-se na concepção de cada um deles e retratava-os com qualidade e perfeição. O artista oferecia aos leitores de cada número da publicação, o que de melhor sabia da sua arte. E assim se tornaria num caso sério de sucesso ao longo da sua carreira, sendo distinguido com alguns prémios, pela qualidade dos seus trabalhos. Dos itinerários da sua carreira e da sua vida iremos falar a seguir, embora de uma forma sucinta. 

 OS ÚLTIMOS ANOS EM PORTUGAL

Eduardo Teixeira Coelho nasceu a 4 de Janeiro de 1919 nos Açores, em Angra do Heroísmo. Com 11 anos apenas veio para Lisboa. Começaria a trabalhar desde muito novo também em publicidade. Mas em 1936 seria a vez de desenhar tiras no jornal “Sempre Fixe”. No ano seguinte também. Os seus trabalhos serão esporádicos até que se dá a sua aparição em “O Mosquito” a partir de 1942, precisamente com a capa do número 360 da revista. Até aqui tinha colaborado em “O Senhor Doutor”, “Engenhocas”, “Coleção Aventuras” e “Filmagem”, sendo a segunda revista a que maior colaboração viria a ter antes de “O Mosquito”. A partir daqui o artista nunca mais parou na sua produção, melhorando cada vez mais.

Seria Rodrigues Alves quem o levaria a conhecer os suplementos dos jornais americanos, nos quais acabaria por admirar a arte de Harold Foster com o seu “Príncipe Valente”, Milton Caniff com a sua série “Terry and the Pirates” e também Burne Hogarth, criador de “Tarzan”, na altura. Depois é uma contínua procura na perfeição dos seus trabalhos. Enquanto se ocupava das histórias aos quadradinhos, em paralelo dedicava-se a outras tarefas, como nos cenários de filmes, em arraiais e feiras. Versátil em todos os aspetos, Eduardo Teixeira Coelho não se inibia de dar azo à sua veia artística. Depois da excelente produção que deixaria nas páginas da revista “O Mosquito”, com a separação dos dois sócios da publicação e o fim desta, ETC ficaria sem trabalho em 1953. Viu-se, então, a produzir pequenas histórias de banda desenhada infantis, que seriam publicadas pelo Fomento de Publicações na coleção “Capuchinho Vermelho”.

 ALGUMAS DAS OBRAS DE EDUARDO TEIXEIRA COELHO NO ESTRANGEIRO

Com poucas perspetivas para o seu futuro como desenhador, resolve partir para Espanha, pois já eram ali conhecidas obras suas nas revistas “Chicos”, em 1944 e 1947, e na “El Gran Chicos”, em 1945/1948 (ainda se encontrava em Portugal). Mas insatisfeito, acaba por se fixar em França a seguir, e começa a colaborar para a revista “Vaillant”. Mais tarde, já está a trabalhar em Inglaterra, onde durante dois anos colabora para as revistas “Comet” (1955/1956), “Playhour” (1956) e “Thriller Picture Library” (1957), mas não se adaptou com os métodos de trabalho ingleses, pelo que volta de novo para França.

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Neste país encontramo-lo a colaborar novamente na revista “Vaillant”. Em parceria com Jean Ollivier, um prolífero argumentista nas histórias aos quadradinhos francesas, e com o pseudónimo de Martin Sièvre, nascem assim as personagens “Ragnar”, de 1955/69, “Till Ulenspiegel” no ano seguinte, que será publicada em Portugal na revista “Falcão” da primeira série, “Davy Crockett” em 1957 e “Wango, le Roi des Iles” no mesmo ano. Em 1958 vai viver para Roma e mais tarde fixa-se definitivamente em Florença. De 1960/1962 Teixeira Coelho irá ocupar-se de quatro aventuras de “Ives le Loup”, devido a doença de René Bastard. Esta série seria igualmente publicada na revista portuguesa “O Pardal”, embora de modo muito deficiente. Nos anos seguintes, e em paralelo com as aventuras de “Ragnar”, acabará por se ocupar também das histórias de “Robin des Bois”, personagem que já tinha sido desenhada por si em Inglaterra, na revista “Robin Hood Annual” (1957). Nascem assim cerca de 60 episódios pelos seus traços até 1975. Em 1982 desenha mais um, como recordação. A revista, a partir de 1969, passaria a chamar-se “Pif Gadget”, com um novo formato mais pequeno, dificultando as criações de ETC, habituado até aí a desenhar plenas pranchas de excecional qualidade artística. “Robin des Bois” é a solução. Em 1975, aparece “Le Furet” e, nos dois anos seguintes, a personagem “Erik Le Rouge”.

Entretanto, a revista alemã “YPS” resolve lançar as aventuras de “Ragnar”. “Gerfried” será a sua personagem a seguir, com mais de 40 episódios desenhados por este autor entre 1977 e 1981. Depois de dois anos ausente das páginas de “Pif Gadget”, E.T. Coelho volta com uma nova personagem, sempre com textos de Jean Ollivier, “Ayak, Le Loup Blanc”, que terá um novo percurso de aventuras entre 1979 a 1984. Treze dos episódios desta série seriam também publicados na revista portuguesa “Mundo de Aventuras”. Estava terminada a colaboração de ETC para as revistas “Vaillant/Pif Gadget”. No entanto, a sua colaboração para França não acaba aqui, pois ainda criou, de 1957 a 1963, a personagem “Pipolin”, cujas histórias seriam publicadas numa revista com o mesmo título. É prolífera a sua produção, pois ainda, de 1962 a 1968, e à margem da “Vaillant”, seriam publicadas cerca de 900 páginas em revistas de pequenos formatos, tais como “Brik”, “Pirates”, “Cartouche”… Esta última personagem é igualmente conhecida dos leitores portugueses. Vamos encontrar ainda trabalhos do nosso desenhador na ”Histoire de France en BD” e em “La Découverte du Monde en Bandes Dessinées” (1978/1980). De 1979 a 1986, nos livros de “Histoire Junior”, ocupa-se das ilustrações de uma dezena de títulos.

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Embora sempre fosse um artista discreto e pouco dado a visitar Festivais ou Salões de Banda Desenhada, acabaria por participar em alguns, a começar pelo “18º Festival Internacional de BD de Lucca”, em 1973, onde receberá o “Yellow Kid” do melhor desenhador estrangeiro. Em 1986, receberia do Clube Português de Banda Desenhada o prémio “O Mosquito Especial”, e em 1997, no “8 º. Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora”, foi a vez de ser distinguido pelo conjunto da sua obra.

FLORENÇA, A SUA CIDADE ELEITA

A partir de 1958, instala-se definitivamente na cidade de Florença, local onde o património histórico se enquadra nas suas obras e seus estudos futuros, mas, como sabemos, continua a trabalhar para França. Mas não deixaria de, em paralelo de novo, de colaborar em revistas italianas com obras suas, como é o caso da publicação “Sgt. Kirk” (1978) e “Comic Art” (1984). Depois dessa sua atividade ligada à banda desenhada e que encerrou em finais dos anos 80, a sua produção quase desaparece, pois a sua atenção passou a ser a de executar trabalhos ligados à arquitetura medieval, barcos, armas e armaduras, paixão que manteria até ao fim da sua vida… Serão então publicados vários estudos da sua autoria: “L’Arte dell’Armatura in Italia” (1967), “Armi Bianchi Italiani” (1975) e “Marino, El Santo del Titano” (1996). Nos últimos meses da sua vida ainda irá produzir uma obra repleta de excecional beleza e intitulada “La Loi des Terres Sauvages”, publicada na revista “Pif Gadget” poucos dias antes do seu autor falecer, a 31 de Maio de 2005. Esta é mais uma obra-prima pela excelente forma como os animais são retratados, apanágio e símbolo deste grande artista, que sempre nos ofereceu uma invulgar forma de desenhar a fauna animal.  

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CARTA ABERTA DE JOSÉ RUY

Com a devida autorização do seu autor, divulgamos um texto (que não era público) de Mestre José Ruy, em resposta a uma crítica publicada no blogue Kuentro 2, por Jorge Machado-Dias, sobre as exposições comemorativas dos 80 anos d’O Mosquito inauguradas no passado dia 16 de Janeiro e que continuam patentes na nova sede do Clube Português de Banda Desenhada (CPBD), na Amadora (antigo CNBDI).

Reproduzimos o referido texto pelo inegável interesse que nos desperta o tema, sem deixar de reconhecer o direito à crítica, mas também o direito de resposta. Sabemos que dentro em breve o Kuentro 2 voltará a abordar esta questão, dando o devido destaque à carta de José Ruy, já do seu conhecimento, e respondendo-lhe em conformidade.

Uma troca de opiniões é sempre saudável, mesmo quando os argumentos se confrontam… Por isso, a quem interessar, sugerimos que leia também o post publicado no Kuentro 2, ao qual terá acesso directamente por este link:

http://kuentro.blogspot.pt/2016/02/exposicao-comemorativa-do-80.html

José Ruy no CPBD

EM DEFESA DO CPBD – por JOSÉ RUY

Meu caro amigo Machado-Dias

Abraço. Eu entendo a amizade como um sentimento que vai para além dos «com-licenças» e de estarmos sempre de acordo com tudo, «ratando» por vezes nas costas, para evitar confrontar o amigo para que ele não se ofenda. É dever dos Amigos verdadeiros chamar a atenção do que achamos estar mal, mas olhos nos olhos, sem ser preciso usar o megafone para que todo o mundo oiça; o «Kuentro» ouve-se em todo o mundo, tenho prova disso.

E depois deste preâmbulo vamos ao assunto: a sua última crítica ao Clube Português de Banda Desenhada (CPBD) e ao modo como apresenta as suas exposições na nova sede na Amadora. Começa o meu amigo por chamar a atenção para umas réguas tortas por sobre a fachada, que se encontram assim há anos, responsabilidade do condomínio (a CMA só é proprietária da instalação térrea) e da relva a nascer entre as pedras da calçada. Faltou destacar o mau aspeto de algum papel que ande pelo chão, levado pelo vento de algum caixote do lixo mal tapado. Já agora, talvez o pó acumulado sobre os automóveis estacionados em frente da porta dê má aparência e os voluntários do CPBD tenham de lhe puxar o lustro para não serem criticados.

Depois dá a sua opinião de que é degradante mostrar reproduções e que só deveriam ser expostos originais mesmo, se o CPBD quer aliciar os «jovens» a irem ver as suas exposições. Fiz uma exposição dos meus originais do livro «Aristides de Sousa Mendes» no Consulado Geral de Portugal em Paris, em 2014, montados em cartolinas pretas e protegidos com acetato, onde foi inaugurada com a presença de um dos netos do Cônsul que vive em França e do corpo diplomático do Consulado. Depois de duas semanas passou para outros organismos em França e não houve um único queixume pelo facto de não ter molduras «dignas» com vidro verdadeiro.

Eu e um membro da direção do «Círculo Artístico e Cultural Artur Bual», promotor do evento, levámos esse material no avião connosco, sem o perigo de estilhaçar os vidros, mesmo se fossem em acrílico, dentro do peso estipulado para a bagagem e sem mais essas despesas. E a exposição foi visitada por muitos jovens, e até numa das itinerâncias esteve num colégio. O meu amigo divulgou com imagens este evento. A Bedeteca da Amadora tem exposto originais meus e de outros autores montados da mesma maneira, e não tem havido reclamações, pelo facto de estarem «indignamente» apresentados. Os visitantes de todas as idades não deixaram de ir por não terem molduras.

No dia 17 de Fevereiro de 2016 inaugurou-se uma exposição sobre a edição, agora em livro, da história de E.T. Coelho «Os Doze de Inglaterra», na Bedeteca da Amadora, e foram expostos originais deste artista, muito pouco conhecidos, o que foi previamente anunciado. Como poderá ver pelas fotos que oportunamente lhe enviarei, não estiveram presentes jovens. Porque talvez não se interessem por este tipo de trabalho, e isso levar-nos-à para outro debate.

Portanto, não é pelo facto de se mostrarem originais verdadeiros que alicia os iniciados (nesta arte) a interromperem os seus jogos nas tabletes para se deslocarem às exposições que não tenham trabalhos seus. O facto do fotógrafo ocasional ter tirado fotos ao material exposto (reproduções) sem o cuidado de escolher o ângulo para não receber reflexos, não é culpa dos expositores. As boas reproduções expostas, foi a maneira possível de mostrar esse material sem o CPBD ter de pagar um seguro proibitivo e montar um sistema de alta segurança durante o período de exposição, exigido (e muito bem) por quem detém esse precioso material.

O CPBD está a renascer de um longo letargo e não tem ainda posses para essas fantasias. Será que para começar temos de primeiro fazer um investimento principesco para que a crítica fique satisfeita? Lembro-me de um rapaz, até familiar, que mostrava alguma habilidade e gostava de ser pintor e desenhador. Compraram-lhe um belo estirador de sala, caixas com tintas aguarela e a óleo, papéis «qb», pincéis e todo o material de qualidade. Esqueceram-se de lhe comprar outra coisa indispensável: o talento. Todo esse equipamento de nada lhe serviu.

O E.T. Coelho começou a trabalhar numa prancheta sobre os joelhos, no quarto que partilhava com o seu irmão. Os jovens de que fala, se forem à sede do CPBD, podem aprender como com materiais baratos e simples se pode começar a apresentar os trabalhos. Mas só se quiserem, pois ninguém pode obrigar seja quem for a participar nestes eventos. Além disso, o que é exposto é para ser visto ao vivo, e o facto de serem reproduções, boas reproduções de provas originais, torna-se secundário. E o que está exposto foi fruto de muitas horas de trabalho exemplar, voluntário e gracioso, de membros da direção do CPBD.

Temos, todos nós, a responsabilidade de dar a conhecer aos jovens que para conseguirmos crescer precisamos de construir, sem esperar que tudo ou quase tudo apareça feito e pronto a usar. Para o público que não pode ir à Amadora, as fotografias de conjunto podem mostrar todos os reflexos (como em tantas exposições de gabarito), mas para verem em pormenor basta que os órgãos de informação e divulgação peçam os ficheiros digitalizados para serem reproduzidos nos seus blogues ou edições em papel em boas condições. Esse público que se remedeia em ver as imagens no monitor, tanto lhes faz serem originais ou não, o que precisa é de ver essas imagens com qualidade.

Esta é a minha opinião, pois sempre me atirei para a frente para fazer coisas com apenas as condições possíveis no momento, ultrapassando os escolhos, e só ao longo de décadas fui melhorando essas condições de trabalho. Se estivesse à espera do ótimo para começar, ainda não tinha feito nada. Além disso, o único responsável pelo processo que o CPBD adotou para realizar as suas exposições na nova sede, sou eu. Fui eu quem propus esse material, pois tenho experiência de o usar, sem grandes despesas e problemas de conservação e deslocação.

«Quem não tem cão caça com gato». O que interessa é caçar.

Não dei esta resposta no próprio Kuentro, por ser longa e para lhe dar a oportunidade de recusar publicá-la. Numa altura em que a coesão é primordial, qualquer polémica pode dar a impressão, a quem passa ao largo, de que estamos desunidos e em guerras de «alecrim e manjerona». Por isso, aqui vai desta forma. No entanto, vou dar conhecimento à família CPBD.

O mesmo abraço de admiração e a mesma amizade.

JOSÉ RUY

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VISITA À BIBLIOTECA NACIONAL (OU O APELO D’O MOSQUITO OCTOGENÁRIO) NUM DIA CHUVOSO – 4

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Mestre José Ruy, um dos nomes mais consagrados da BD portuguesa, que se desdobra em actividades didácticas para levar ainda mais longe — sobretudo até às novas gerações — a arte a que se dedica, com enorme talento e profissionalismo, há mais de 70 anos, partilhou também connosco memórias vividas na redacção e nas oficinas d’O Mosquito, com o seu jeito descontraído, aberto e fluente de comunicar, desfiando peripécias curiosas e factos que marcaram a relação entre os dois paladinos que criaram o “mito” mais duradouro da BD portuguesa: António Cardoso Lopes Jr. e Raul Correia — ambos residentes na Amadora, a cidade onde efectivamente nasceu O Mosquito e onde hoje funciona também a sede do Clube Português de Banda Desenhada, principal promotor desta iniciativa, que tanto sucesso tem obtido, em parceria com a Biblioteca Nacional.

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Depois de uma animada sessão de comentários, que prolongaram, durante meia-hora, os temas e as intervenções dos quatro ilustres conferencistas (João Manuel Mimoso, António Martinó Coutinho, Carlos Gonçalves e José Ruy), todos nos dirigimos à sala onde nos aguardava a exposição comemorativa dos 80 anos d’O Mosquito, exposta em várias vitrines, cujo vasto acervo foi apresentado pelos seus comissários, João Mimoso e Carlos Gonçalves. Nem mesmo a Catherine (embaraçada com as “canadianas”) ficou para trás, tal era a sua ânsia de ver a exposição. Pena foi que o folheto alusivo a esta mostra já tivesse “voado”, como folhas secas num dia de vento…

Aqui ficam mais algumas fotos da memorável sessão realizada na Biblioteca Nacional, gentilmente cedidas pelo nosso amigo António Martinó (autor do blogue de referência Largo dos Correios, onde poderão ver também uma magnífica reportagem deste evento), tiradas por ele e pelo seu neto Manuel, o mais jovem elemento da assistência e brilhante estudante universitário. A ambos reiteramos os nossos melhores agradecimentos, com afectuosas saudações “mosquiteiras”.

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VISITA À BIBLIOTECA NACIONAL (OU O APELO DO MOSQUITO OCTOGENÁRIO) NUM DIA CHUVOSO – 3

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No decurso dos colóquios de homenagem aos 80 anos d’O Mosquito, realizados na passada 4ª feira, dia 17, na Biblioteca Nacional (ver os posts anteriores), Carlos Gonçalves, grande coleccionador e profundo conhecedor das preciosidades que são as construções de armar e as separatas que muitas revistas infanto-juvenis publicaram ao longo da sua existência, mostrou reproduções digitais desses suplementos, assim como fotos de certas construções já montadas, como algumas peças do célebre Cortejo Real (construção publicada na revista O Senhor Doutor, que foi contemporânea d’O Mosquito).

Aqui ficam várias imagens dessa apresentação, que como as restantes foi seguida com muito interesse e curiosidade pela assistência, entre a qual é de assinalar a presença de alguns autores de BD, como Mestre José Garcês, decano dos decanos, Carlos Baptista Mendes e Catherine Labey, e de outras figuras do meio bedéfilo: Leonardo De Sá, Geraldes Lino, João Paiva Boléo, além do autor deste blogue (sem imodéstia).

Agradecemos ao Professor António Martinó de Azevedo Coutinho a partilha das fotos que, graças à sua generosa amizade, temos publicado regularmente neste espaço e que estão também patentes (com os seus magníficos textos) no blogue Largo dos Correios.

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VISITA À BIBLIOTECA NACIONAL (OU O APELO D’O MOSQUITO OCTOGENÁRIO) NUM DIA CHUVOSO – 2

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Prosseguindo as palestras de homenagem ao mítico e octogenário O Mosquito, durante a sessão realizada na passada 4ª feira, dia 17, no auditório da Biblioteca Nacional, o Professor António Martinó de Azevedo Coutinho falou do seu percurso no mundo das histórias aos quadradinhos – como se chamava, então, singelamente, a banda desenhada –, desde a sua infância, em Portalegre, e depois durante os seus anos de acção pedagógica, tanto no ensino primário como nos cursos secundário e superior.

A terminar, rendendo uma justa homenagem ao seu amigo Hélder Pacheco, outro insigne professor e homem de cultura, portuense de gema, leu um texto inédito que prendeu a atenção da assistência, intitulado Há muito tempo, quando éramos pequenos, evocando memórias pessoais de Hélder Pacheco ligadas à mais popular revista infanto-juvenil de outros tempos, adorada por todos os garotos que já andavam na escola.

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É esse magnífico texto (oriundo do blogue Largo dos Correios) que temos o grato prazer de reproduzir também neste post, graças à amável deferência do seu autor e à generosa amizade do Professor António Martinó Coutinho. Para ambos, as nossas afectuosas saudações “mosquiteiras” e os nossos melhores agradecimentos.

 HÁ MUITO TEMPO, QUANDO ÉRAMOS PEQUENOS

Vinha todos os sábados. Aparecia – naquele tempo as pessoas eram pontuais e, nesse capítulo, procuravam dar bom exemplo –, pelas três horas. Mais minuto, menos minuto. Mas, como a combinação do encontro era para as três, nenhum de nós se atrasava. Sabíamos que o tempo fugia e tínhamos programas fascinantes, de antemão discutidos, para gozar as tardes. O meu avô vinha pela Ponte, caminhando ligeiro. Mal o via, deitava a correr para chegar mais depressa à sua beira. Para nos abraçarmos. Para falarmos alvoroçadamente do que tinha acontecido entretanto na cidade. Para, no meu caso, olhar – coração batendo a galope – os embrulhos com presentes que sempre arranjava maneira de trazer (talvez na tentativa de me compensar das ausências que tanto pesavam).

Os presentes! Coisas fúteis. Superficiais. Efémeras. Como a vida que – cada vez mais – é construída assim de factos pequenos. De lembranças. De imagens e sensações escapando pelos interstícios da memória. Coisas fúteis. Por exemplo: caixas de pastéis, saborosíssimos jesuítas comprados no Palace, pastelaria da esquina de Santo António com Sá-da-Bandeira, onde agora está um banco (de dinheiro, não de sentar). Outro exemplo: sacos de rebuçados Vitória com figuras de animais. Ou litografias mal impressas, com figuras de jogadores da 1ª. divisão. O Patalino, do Elvas, o Correia Dias e o Barrigana, do Porto, o Arsénio, do Benfica, e mais cem. Os presentes podiam ser livros. Ou um automóvel de folheta com chave para dar corda. Embalagens de confetis ou serpentinas. A máscara de pierrot daquele Entrudo em que fomos à festa dos Fenianos. A caixa de sapatos atafulhada de santinhos de cascata, vendidos na Rua da Assunção, embrulhados como objectos de cristal, em papel pardo, de mercearia. Uma vez o presente foi um estojo completo, com compasso de prender o lápis, compasso de pontas e transferidor. Tudo artesanal, em caixa de madeira forrada de pano azul. (Sendo o meu primeiro estojo, é mais fácil recordá-lo). Doutra vez o meu avô trouxe um dicionário de bolso, de língua pior do que chinês, e disse que lho tinham oferecido como brinde. E que talvez um dia me fizesse jeito (descobri mais tarde ser alemão e não serviu para nada).

Dos melhores presentes de sempre foi, sem dúvida, o magic roundabout, recém-importado da terra dos camones; quer dizer, um caleidoscópio para onde espreitávamos. Rodando o corpo cilíndrico com figuras estampadas, formávamos fantásticas combinações cromáticas, simetrias absolutas, em movimento, em mutação. E, com as prendas, fossem quais fossem, grandes ou pequenas, caras ou baratas, enrolado e metido no cartucho ou no fio que atava o embrulho vinha “O Mosquito”.

Se não era o mais importante, “O Mosquito” representava a expectativa da mais cobiçada surpresa e ansiedade. Não pelo seu valor – poucos tostões que agora não valiam um suspiro –, mas pela curiosidade de desvendar a continuação dos mistérios que transitavam da semana anterior. Histórias que, mais parecendo sem-fins do que narrativas, atiçavam intrigas, surpresas, descobertas, evasões. Porque não eram histórias contadas normalmente. Como as dos livros da escola primária, cuja leitura apelativa das virtudes rústicas de um país fora do tempo, era, por isso mesmo, pouco didáctica. E sobretudo desinteressante para as nossas ânsias de crescer depressa.

A tal patriotismo de Repartição Pública “O Mosquito” surgia como alternativa dos tempos importantes. Dos tempos vagos da tabuada, das cópias e decalques de desenhos que as nossas avós já tinham realizado e outros requintes frustrantes. (Não quero dizer que a escola daquele tempo, dos “anos da rádio”, de vez em quando, por descuido da ortodoxia, pelo talento de alguns mestres ou pela pressão da vida, não pregasse partidas e rebentasse com as portas do templo. A realidade submergia a sessão de ditado com notícias como o desembarque na Normandia, o grande temporal de 1942 – que arrasou metade dos telhados do burgo –, a vinda a Portugal da selecção da R.A.F., com os ases da época, verdadeiros príncipes futebolísticos. Além de outras ninharias que abalavam a ciência absoluta e imutável. Mas como poderia a cartilha suportar o embate da heterodoxia, o embate das coisas vitais e importantes como as transformações do mundo que “O Mosquito” representava?) Assim, “O Mosquito” era – para nós – a subversão do Sistema. Marcava a diferença entre aquilo que a Escola pretendia que aprendêssemos e o que os nossos sonhos e fantasias nos exigiam que descobríssemos.

Tínhamos, não obstante, por mestre o mais liberal de todos quantos conhecemos. Homem desempoeirado, nunca batia. Mostrava sorrisos simpáticos às falhas da tabuada e – suprema incontenção da burocracia! – mandava-nos às redondezas procurar lenha para, no Inverno, acendermos a lareira da sala da escola. (Porque, naquela altura, os edifícios escolares eram artesanais e com ambiente provinciano, a gente aquecia-se à lareira. Na melhor das hipóteses, queimando a lenha aventurosamente angariada. Os edifícios de agora são pragmáticos e funcionais. Por tal motivo não possuem aquecimento a lenha, ou qualquer outro, considerando que Portugal é país de clima temperado!).

Porém, perante “O Mosquito” até o mestre liberalíssimo que nem obrigava a marchar aos sábados e a fazer continência às visitas, mesmo ele reagia conforme a ortodoxia: histórias aos quadradinhos nem pensá-las, quanto mais vê-las na sala de aula. Mas, valha a verdade, a centelha de sabedoria que as pessoas armazenam sempre é melhor conselheira do que a pedagogia dos dogmas e das normas. Talvez por isso, em pleno exercício de contas no quadro, com a classe concentradíssima nas reacções da vítima cuja sapiência testava, quando algum de nós era apanhado a ver, à socapa, “O Mosquito”, mesmo então a liberalidade do mestre impunha-se. E dizia, sem excluir certa cumplicidade: “Guarda lá as histórias aos quadradinhos, que agora estamos a tratar de coisas sérias!”. A gente guardava-as e ficava o assunto encerrado. Nem sequer, por castigo ou represália – como ocorria noutras salas –, o mestre nos apreendia o jornal ou nos chamava ao quadro para nos esticar. E ainda menos fazia queixa aos nossos pais de que andávamos a ler revistas impróprias. Acabamos por desconfiar de que, pesassem embora as aparências, ele era, às ocultas, admirador d’“O Mosquito”.

Isto porque, um dia, para grande surpresa nossa, fez vista grossa a várias ilustrações de redacções sobre animais nossos amigos. Nelas, subversivamente, tínhamos desenhado cenas dentro de quadradinhos com legendas por baixo. Um de nós – já nem sei se foi o Aranhiço ou o Pigmeu –, mais culto, chegou mesmo a representar personagens de cujas bocas saíam, em balões, as falas. Foi, diga-se, revolução espontânea: alguém se apercebeu de que o vizinho de lado ilustrava o texto não com o habitual desenho, mas com a história em quadradinhos (banda desenhada era, então, nomenclatura estranha e avessa à linguagem da Vitória, da Rua das Flores, ou da Serra do Pilar). Vai daí, para não ficar atrás, o resto da classe, em peso, desatou furiosamente a desenhar quadrinhos resumindo enredos e acções.

Conivente, o mestre não tugiu nem mugiu e até elogiou alguns trabalhos pela graça, o realismo, a maneira como tinham passado das palavras às imagens. Isto segundo palavras que descodificamos mais ou menos: “Podem copiar “O Mosquito”, mas não se ponham aí a lê-lo quando falarmos do que está no livro!”. A partir de tal acontecimento, a subversão instalou-se definitivamente nas ilustrações das redacções, nos cadernos diários, nas sebentas… E sobretudo nas nossas ideias, na maneira como passámos a perspectivar a representação da realidade.

Foi sol de pouca dura. No ano seguinte, o mestre liberal foi transferido. O seu substituto, professor de convicções firmes e austeras, era defensor dos mais altos valores do compêndio e do catecismo. Por tal motivo, não sendo para graças, aboliu aquele modernismo corruptor. Depois disso, desenhos só a copiar vasos e a representar as coisas como elas são (e não como nós sonhávamos que elas eram – ou deveriam ser). E “Mosquitos” encontrados na sala de aula davam cocas atrás da nuca e reguadas nas mãos, posturas de pé ao canto da sala e chamadas ao quadro para fazer divisões (a conta desgraçada). Conforme a infracção fosse estar a lê-los quando o professor explicava, estar a folheá-los em lugar de decorar os tempos dos verbos, tentar copiá-los para ilustrar redacções. Ou, simplesmente, estar a mostrá-los, à segunda-feira, ao vizinho de carteira (que não tinha avô, ou não tinha um avô em estado de graça).

Mas, bem no fundo, o bichinho estava enraizado. E, nos tempos seguintes (apesar de tudo eram de leite e mel pelas descobertas – quase todas as importantes – que, entre os sete e os dez anos, a gente vai fazendo), os meus companheiros e eu, naquela escola de bairro, fomos crescendo na leitura d’“O Mosquito”. Sim, crescendo. Moldando sentimentos. Apurando valores que distinguiam o Bem do Mal. Enaltecendo a amizade e o companheirismo. Descobrindo a aventura. Dando conteúdo ao desejo de explorar o mundo (ainda que fosse o do outro lado da rua). Promovendo a diversidade. E, especialmente, carregando as baterias da imaginação e do sonho com formidável arsenal de motivações e fantasias que a Escola se mostrava incapaz de proporcionar – quando não de compreender.

Tão importantes como o pão na boca e talvez mais actuantes do que as aprendizagens formais que o Sistema nos impunha, as histórias aos quadradinhos e “O Mosquito” constituíram assim verdadeira Escola alternativa. Para aquela geração de citadinos do pós-guerra, evoluindo ao ritmo pré-televisivo e, por isso, pré-massificado, eles representaram possibilidades de estruturação do pensamento modernas e relevantes, em contraposição às normas da pedagogia oficial. (Provavelmente os jovens de agora dirão o mesmo da ligação entre a escola, a vida e os novos mass-media. Mas isso é assunto descabido da cercadura deste preâmbulo).

Quanto devemos àquelas histórias? Muito, certamente. Sobretudo em matéria de factores discretos e íntimos não contabilizáveis nos quadros das taxinomias. Momentos de alegria alvoroçada. Horas deliciosas relendo e treslendo aventuras. Vésperas de Natal a decifrar passatempos e a jogar os jogos do “Almanaque”. Tardes de morrinha a recortar e coleccionar as figuras dos concursos. Magias, emoções, ternuras. E, céus, não foi por isso que perdemos as qualidades de leitores, que aborrecemos os livros ou nos tornámos cábulas, conforme os críticos mais agoirentos dos quadrinhos nos vaticinaram. Já sabem, portanto, o motivo porque, de entre as mais ternas recordações da infância, relembro os sábados à tarde. E “O Mosquito”.

Conhecíamos, do sótão da casa do Aranhiço, a existência do “Gafanhoto” e do “ABC-zinho”. Tinham pertencido ao pai, que guardava alguns exemplares como relíquias. Só os víamos à distância e nem sequer lhes mexíamos. Ainda assim, tais operações exerciam-se às escondidas do proprietário. Da mesma época dessas buscas clandestinas nos sótãos da vizinhança, eram as pesquisas na casa dos Bacelares, na Rua da Paz. Lá tinham guardado “O Senhor Doutor” e “O Papagaio”, dos inícios dos anos trinta e que, mesmo cheios de pó e já amarelecidos, constituíram, aos nossos olhos ávidos de figuras que ultrapassassem as do livro da 3.ª classe, verdadeiros deslumbramentos. Constituíram, digamos, espécie de complemento das lições d’“O Mosquito”. No entanto, esse, embora nascido muito antes de nós, marcaria, de facto – com um suplemento infantil suponho que do “Século”, chamado “PimPamPum!”–, o máximo dos nossos afectos, na aprendizagem daquele meio que, com a rádio, virava do avesso os conceitos de comunicação. E, mais do que isso, vinha influir sobre a mentalidade, os saberes e os próprios comportamentos de uma geração para quem as histórias contadas ao serão e as apologias cívico-patrióticas do livro único, tinham deixado de constituir modos privilegiados de formação (e conformação).

Dos anos d’“O Mosquito” o máximo herói foi, a grande distância dos restantes, o Cuto. Rapaz endiabrado, falava português e protagonizava aventurosos perigos e acções jamais imaginadas no nosso bairro. O Cuto transformou-se, de imediato, em paradigma, em modelo acabado do rapaz destemido que logo adoptámos e passámos a copiar nas brincadeiras dos passeios e dos quintais (o pior era quando alguns tinham de fazer de vilãos, de inimigos. Como todos recusavam, isso descambava, não raras vezes, em sessões de pancadaria. Dignas, aliás, dos quadradinhos das histórias). Por 1944 – citando de memória – apareceram dois foliões que logo classificámos como superiores ao Bucha e Estica (de que eram émulos!) e a quaisquer outros artistas do cinema. Falo do Serafim e Malacueco. Estroinas com tanto de atrevidos como de divertidos, entusiasmavam-nos pela subversão que introduziam em tudo quanto ocorria.

Na mesma altura apareceu Tóino “o Bola de Neve” com a primazia de acrescentar aos nossos horizontes míticos o conceito absolutamente inovador de herói preto. O seu nome, embora estrangeiro, tinha sido convertido, num daqueles trocadilhos sem graça nenhuma que os tradutores sempre tiveram a mania de inventar, em António das Neves – vão lá saber porquê… As aventuras inglesas como as histórias do casal Tom e Nora, em As Ruínas do Mosteiro, vieram alargar as nossas vistas da Rua do Correio com a noção, também inovadora, de que os heróis poderiam aventurar-se em pares de sexos diferentes. Ousadia terrífica em país onde falar de coeducação constituía sumo atrevimento pedagógico!

Da mesma origem eram o Cavaleiro da Máscara Vermelha e a Maria Ninguém. Mas, não há dúvidas, o Cuto sobrepunha-se a todos em enredos, manhas e movimento. E, coisa espantosa, em lugar de conter legendas apenas no rodapé dos quadros, também falava através de balões que lhe saíam da boca. Verdadeira descoberta que nunca tínhamos presenciado! Outros heróis apareceram a atenuar aquelas primeiras emoções: o Capitão Meia-Noite e sobretudo os Jorge e Segismundo pedalando pelo Mundo, tradução caseira do título original.

Nesta fidelidade a “O Mosquito” fomos crescendo, na minha rua, casa sim, casa não. E nem mesmo o “Diabrete”, outro companheiro nos primeiros exercícios de ver e soletrar imagens e palavras e forte concorrente daquele, conseguiu abalar a nossa convicção de jamais deixar de ler “O Mosquito”. De jamais – e isto com juras e promessas encarniçadas – considerar outro herói superior ao Cuto.

Ai, mas a vida é corredoiro, é aragem efémera. Passa, modifica-se – e modifica-nos – continuamente. Umas vezes para melhor, outras para pior (quem poderá fazer a escolha?). A vida pregou-nos uma partida: a mim, ao Aranhiço, ao Pigmeu, ao Xá da Pérsia, ao Reisinho, à Glória, ao Tenente (companheiros de seita como podem calcular, seitas que, na altura, eram donas das ruas da cidade. Ruas para brincar, jogar, conviver e não para a dominação das solidões motorizadas). Pregou-nos a partida de, na fase das dúvidas e auto-afirmações a imitar os adultos, nos pôr diante dos olhos o último grito em histórias aos quadradinhos: “O Mundo de Aventuras”. Trouxe com ele seduções não já de ingénuos enredos infantis, na maior parte dos casos com legenda por baixo, mas de desenhos excitantes, cheios de sinais e onomatopeias. Com balões saindo da maioria das bocas. Repletos de aventuras prodigiosas e violentas com riscos permanentes para os artistas. E esquecemos as promessas de fidelidade…

Quando o Tim-Tim surgiu – em álbuns magníficos –, tínhamos perdido a inocência e os encantamentos da leitura no passeio, à roda d’“O Mosquito”. O Tim-Tim foi herói tardio, herói intelectual das nostalgias adultas em guardar os pedaços que se dispersavam dos anos mágicos de quando éramos pequenos. E, pormenor significativo, nunca mais dissemos histórias aos quadradinhos (a partir de certa altura começou a parecer mal, a não soar a fino, designar tão puerilmente a banda desenhada!).

Agora, olhando para trás e revendo estes anos de contínua devoção aos quadradinhos animados, não restam dúvidas – pessoalmente não as tenho – da sua importância para dar corpo à nossa apetência de felicidade. Não (me) restam dúvidas de quanto lhes devemos, a geração daquela Era anterior ao vídeo e à caixa com histórias dentro que mudou o mundo. Dívida de gratidão. De ternura e simpatia pelos momentos de ventura infinita preenchendo horas. Pela jovialidade dos heróis cómicos e pobres. Pelas janelas abertas sobre as coisas e sobre os outros. Pelos clubes de amigos. Pela nova forma de pensamento (visual) que adquirimos. O que seríamos nós, a geração anterior à revolução da imagem, sem a banda desenhada a oferecer-nos a ponte, a transição para o futuro (que, sem darmos por isso, se transformou em presente)?

 HÉLDER PACHECO
in PREFÁCIO para BD: o MUNDO dos QUADRADINHOS (1988 – inédito) 

 

VISITA À BIBLIOTECA NACIONAL (OU O APELO D’O MOSQUITO OCTOGENÁRIO) NUM DIA CHUVOSO – 1

Biblioteca Nacional - O Mosquito - 1

O frio, a chuva, os transportes (e até as muletas da Catherine), nada nos impediu de assistir às palestras sobre os 80 anos da mítica revista O Mosquito, realizadas na passada 4ª feira, 17 do corrente, no auditório da Biblioteca Nacional. Infelizmente, o caótico trânsito lisboeta (que piora sempre em dias de chuva) retardou a nossa chegada ao local e só assistimos à última parte da palestra de abertura, proferida por João Manuel Mimoso, sobre o tema 17 anos de capas d’O Mosquito, acompanhada pela projecção de diapositivos.

Reproduzimos seguidamente, neste primeiro post, algumas fotos da memorável sessão na Biblioteca Nacional, gentilmente cedidas pelo nosso amigo António Martinó Coutinho (autor do blogue de referência Largo dos Correios, já aqui citado várias vezes), tiradas por ele e pelo seu neto Manuel, o mais jovem elemento da assistência, estudante universitário e que denota possuir, também, excelentes dotes de fotógrafo. A ambos os nossos agradecimentos, com as mais afectuosas saudações “mosquiteiras”.

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“OS DOZE DE INGLATERRA” – por E.T. Coelho (5)

12654220_902723516493237_4320641162970025297_nComo oportunamente informámos, realizou-se no passado dia 10 de Fevereiro, no Centro Nacional de Cultura, uma sessão de lançamento do álbum “Os Doze de Inglaterra”, com desenhos de Eduardo Teixeira Coelho, editado pela Gradiva. Ao assinalável evento deram ainda maior brilho as intervenções de três ilustres oradores: Dr. Guilherme de Oliveira Martins, Dr. Guilherme Valente (editor da Gradiva) e Mestre José Ruy, que coordenou esta edição.

Recordamos que a história “Os Doze de Inglaterra”, considerada unanimemente como uma obra-prima da BD portuguesa, foi publicada n’O Mosquito em 1950-51, numa fase da revista que não primava pela excelência gráfica, nem pelo respeito devido às obras dos seus colaboradores artísticos, visto que o abundante texto das legendas “usurpava”, por vezes, o espaço destinado aos desenhos, causando-lhes danos parciais, mas irreparáveis, como aconteceu em muitas páginas desta magnífica criação de E.T. Coelho.

Felizmente, José Ruy (com a intenção de preservar um precioso espólio) guardou as respectivas provas de impressão, e foi a partir desse primitivo material, com os desenhos sem cortes, que foi possível restaurar, de forma quase perfeita, a beleza e o esplendor da arte inigualável de um dos maiores ilustradores portugueses de todos os tempos.

Segundo revelações de José Ruy — que assistiu à realização desta obra, por partilhar, na época, um atelier com E.T. Coelho, sito na Calçada do Sacramento, em Lisboa —, a impressão d’O Mosquito era feita nas oficinas da Bertrand & Irmãos, mas estava confiada a aprendizes (talvez por se tratar — a ironia é nossa — de uma revista juvenil!), enfermando inevitavelmente de muitas “mazelas”, agra- vadas pelo tamanho das legendas escritas por Raul Correia, numa prosa de pitoresco recorte literário, mas por vezes demasiado redun- dante, inspirada, como sustenta José Ruy, num opúsculo da autoria de António Campos Júnior (1850-1917), consagrado autor de narrativas históricas, cuja obra mais célebre é “A Ala dos Namorados”, publicada em 1905.

“Continua o enigma sobre o opúsculo que eu vi o ETC manusear, da «autoria» de Campos Júnior; este nome estava impresso na capa branca só com letras. O Coelho desenhava ao meu lado (tínhamos, nessa altura, um ateliê na Calçada do Sacramento, onde também o Mário Costa, aguarelista, tinha o seu no sótão, enquanto que o nosso era numa sala com janela para a rua). Até a autoria desse texto está em dúvida quanto a ser de Campos Júnior. Umas fontes afirmam que sim, outras que não, e o seu biógrafo não incluiu este romance na sua obra, mas que vi essa publicação, não tenho dúvida.

Sempre pensei que Raul Correia teria outro exemplar, pois este nunca deixou de estar em poder do ETC. Mas é certo que o Coelho desenvolveu «buchas» nos episódios picarescos da aventura do Magriço. Certo, certo, é que o Raul Correia escrevia as legendas com base nos desenhos, como fazia com todas as histórias, criando uma bela e «extensa» prosa que subia pelas pernas das personagens, tapando-lhes grandes partes.

O Coelho nunca se insurgiu, aceitava isso como um ‘Karma’, sem nunca se impor. E ia desenhando, sabendo que partes da composição seriam amputadas. E, nessa altura, não se vislumbrava a hipótese de ser reeditada. Procurei nesta edição cortar as redundâncias do texto, poupando assim muito espaço e fazendo coincidir, em cada vinheta, o assunto que aí se desenvolve”.

Doze de Inglaterra - CNC 2E o resultado está à vista, acrescentamos nós — graças à dedicação, ao brio profissional e ao esforço desinteressado de José Ruy, cuja carreira  acompanhou muito de perto a d’O Mosquito, durante a sua época de maior apogeu —, num belo álbum da Gradiva que fará certamente as delícias de todos os admiradores do talento ímpar de E.T. Coelho, e também de uma nova geração que, por lamentável lapso dos nossos editores, nas últimas três décadas, desconhece quase em absoluto a obra e a importância deste autor.

Aqui fica, pois, um breve registo com imagens do encontro realizado há dias no Centro Nacional de Cultura, para apresentação, como já referimos, do álbum “Os Doze de Inglaterra”, uma das maiores obras-primas de E.T. Coelho. As fotos são de José Boldt, a quem agradecemos (assim como a José Ruy) a amável e sempre pronta colaboração.

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