A segunda exposição patente, até ao próximo dia 12 de Março, no Clube Português de Banda Desenhada (CPBD) — cuja nova sede, convém recordar, fica na Reboleira (Amadora), onde dantes existia o CNBDI —, engloba vários painéis dispostos ao longo das paredes de uma das suas maiores salas, contígua a outro espaço, no rés-do-chão, onde figura a expo- sição permanente dedicada ao historial do CPBD (já com quatro décadas de vida).
Nesses painéis, de apresentação idêntica aos da exposição “Tributo a Eduardo Teixeira Coelho”, já aqui referida, podem observar-se várias histórias publicadas pel’O Mosquito, ao longo dos seus 17 anos de existência (na 1ª série, que durou de Janeiro de 1936 a Fevereiro de 1953), expostas directamente nas páginas impressas, pois nem mesmo os originais de E.T. Coelho e de outros autores portugueses existem já, na maioria dos casos.
Nas legendas desses painéis, houve o cuidado (que elogiamos) de referir também o nome dos respectivos desenhadores, mesmo os das histórias estrangeiras (sobretudo inglesas), que naquela época ninguém conhecia.
Como fizemos com o artigo alusivo à exposição de homenagem a E.T. Coelho, divulgamos seguidamente outro texto do Clube Português de Banda Desenhada, patente na mostra dedicada aos 80 anos de nascimento d’O Mosquito. Agradecemos ao CPBD (e particu- larmente a Carlos Gonçalves) a partilha destes trabalhos, que seria pena ficarem limitados a duas exposições que em breve serão encerradas para darem lugar a outros eventos, como oportunamente anunciaremos.
Lembramos, mais uma vez, a todos os interessados que até 12 de Março p.f. poderão ainda visitar estas mostras, na sede do CPBD, aberta todos os sábados, das 14h00 às 18h00 (com direito, portanto, a visitas guiadas).
Nota: o registo fotográfico da exposição “Os 80 Anos d’O Mosquito” é de Dâmaso Afonso, a quem endereçamos novamente os nossos agradecimentos.
OS 80 ANOS DA REVISTA “O MOSQUITO”
Nós, que estamos ligados à Banda Desenhada há décadas, custa-nos admitir que são já passados 80 anos sobre o primeiro dia em que a revista “ O Mosquito” seria publicada. Estávamos a 14 de Janeiro de 1936. Hoje torna-se fácil considerar que, na verdade, era uma publicação que faria História, não só como publicação infantil, mas também como um veículo privilegiado na divulgação de cultura. Tal deve-se à simbiose perfeita encontrada entre dois homens, um desenhador cheio de talento e de ideias, António Cardoso Lopes (Tiotónio), e outro repleto de amor pelo próximo, poeta, escritor e um grande homem da prosa, Raul Correia. Considerando as décadas que já passaram e o sucesso que esta revista teria ao longo dos anos em que seria publicada, teremos que admitir que estava encontrada a fórmula secreta para tal realidade. Quanto a nós e na época em que a revista é publicada, os contos tinham maior divulgação e eram tão ou mais bem aceites que a Banda Desenhada, embora esta não deixasse os seus créditos esquecidos, pois para ela também existia um público fiel. No entanto, o conto estava mais enraizado nos leitores, até por ensinamentos nas escolas, e já assim tinha sido nas revistas “ABC-zinho” e “O Senhor Doutor”, onde se revelaram grandes novelistas portugueses. No campo dos contos encontrava-se a mão de Raul Correia, que, logo a partir do número 1 da revista, inicia a publicação de um conto em episódios da sua autoria.
Evidentemente que a banda desenhada publicada possuía o seu interesse e encantava também os leitores, já que a publicação das aventuras de “Rob”, de Walter Booth e as de “Mick. Mock e Muck”, de Arturo Moreno, acabariam por alcançar uma certa aceitação ao longo dos meses. Esta última série acabaria mesmo por ser republicada em quatro pequenos volumes, mais tarde. Outras histórias seguir-se-iam, todas elas com um grafismo cuidado e onde se destacava um humor salutar, a maior parte delas de origem inglesa. Também no campo da aventura não faltavam novas séries igualmente de origem inglesa, tais como “A Flecha de Ouro”, de Reg Perrott, dois anos depois, e “O Gavião dos Mares”, de Walter Booth. É extraordinário como uma revista com 8 páginas apenas, embora num formato A4, conseguisse tal êxito… Raul Correia manteria a autoria dos textos, não só dos contos como das legendas didascálicas, como era usual na época, muitas delas criadas ao sabor da pena e poucas traduzidas dos seus textos originais ingleses. Uma nova equipa de contistas tinha-se associado à publicação com a contratação de Lúcio Cardador e Orlando Marques. O formato da publicação mantém-se no A4, até que a falta de papel no tempo da guerra obriga a uma redução de pelo menos uma folha (2 páginas) e o seu formato passa a ser o A5, com 12 páginas, a partir do seu número 318.
UM NOVO DESENHADOR SURPREENDE OS LEITORES
No entanto, estava a dar-se um facto muito importante, pois este é o período áureo desta publicação, com o aparecimento de um desenhador português, chamado Eduardo Teixeira Coelho (mais conhecido por E.T. Coelho ou ETC), que alcançaria uma carreira internacional, mais tarde, e que a partir de finais de 1942 passa a desenhar as capas da revista. E facto curioso é que as capas desenhadas por este grande artista eram essencialmente dedicadas aos contos. “O Mosquito” passará então a ser apresentado duas vezes por semana, com uma tiragem de 25.000 exemplares por número, um acontecimento deveras importante e que até aí nenhuma publicação do género alguma vez alcançara. Esta situação seria mantida por três anos, com as aventuras de “Cuto”, de Jesús Blasco, e outras histórias dos seus irmãos Adriano e Alejandro Blasco, além de dois novos desenhadores portugueses, que se tornariam igualmente famosos, Vítor Péon e Jayme Cortez, que passam a distribuir o seu talento pelos vários números da revista, até partirem para o estrangeiro, o primeiro para Inglaterra e o segundo para o Brasil, onde se tornará num caso único de popularidade junto de todos os desenhadores daquele país, tendo sido considerado um verdadeiro “Mestre”, como era muitas vezes designado pelas suas qualidades artísticas, existindo hoje um prémio naquele país com o seu nome.
“Os Guerreiros do Lago Verde” marca a estreia de Eduardo Teixeira Coelho na elaboração e execução de uma história aos quadradinhos, facto até aí inédito e onde pela primeira vez este desenhador oferece-nos extraordinárias pranchas em que retrata vários animais de uma forma arrojada, não descurando a sua aptidão para tal facto o ter passado várias horas no Jardim Zoológico a esboçar cada um dos animais que irão aparecer mais tarde, nas suas histórias (o tigre, os macacos, o rinoceronte e a sua luta contra o leão). ”O Capitão Meia-Noite” é outra das personagens de sucesso, da autoria de Walter Booth. Ainda nesta fase as histórias de “Cuto”, de Jesús Blasco, dão um salto qualitativo, que irá surpreender os leitores, tal é o realismo que este artista imprime às suas pranchas.
OS ESCRITORES DA REVISTA
“O Mosquito” não circulava com sucesso pelos vários escaparates onde era colocado semanalmente à venda, só pela publicação das suas histórias aos quadradinhos. O seu peso literário também contava e muito na época. Era também devido ao esforço e dedicação de alguns novelistas da altura, que ofereceram os seus préstimos e os seus talentos, que esta publicação era bem aceite pela maior parte dos seus leitores. Independentemente de Raul Correia, que tinha a seu cargo alguns contos no início, a sua rubrica de “O Avozinho” e também a troca de correspondência com os leitores (respondendo na revista, mas também particularmente pelo correio), estava por detrás dos textos das novelas publicadas nas páginas da revista a mão de José Padinha (Peter Tenerife e outros pseudónimos), que nos deixou alguns contos cheios de ação, aventura e galhardia, seguidos igualmente de outros contos da autoria de Orlando Marques, qualquer um deles os mais prolíferos e destacados autores de novelas da revista. Não esquecer também os trabalhos de Fidalgo dos Santos, Roberto Ferreira (Rofer), Lúcio Cardador e António Feio. Todos eles contribuíram para que “O Mosquito” se destacasse neste campo.
MAIS UM NOVO FORMATO
A partir do seu número 681 passa para o formato anterior, o A4 de novo e com 8 páginas, embora este número se apresentasse com um suplemento de mais 16 páginas com uma história de Emilio Freixas, intitulada “Uma Estranha Aventura”. A partir deste número, o trabalho de ETC é ainda mais importante do que até aqui, pois além de executar muitas capas, desenha também mais uma história aos quadradinhos intitulada “Os Náufragos do Barco Sem Nome”, onde este artista, já na plenitude das suas qualidades artísticas, nos deslumbra com pranchas de excelente valor artístico. “A Epopeia do Forte Arizona”, de Cozzi, surge nesta fase, bem como outras histórias da sua autoria. Temos igualmente “O Caminho do Oriente”, de ETC, que se irá transformar num caso raro de popularidade e de longevidade. José Garcês inicia-se nesta fase também, com 18 anos de idade. A sua história “Intitula-se “O Inferno Verde”. Ainda que jovem, este desenhador acabará por se firmar com o seu talento e criará mais três histórias ao longo dos números da revista.
Será também nas páginas desta publicação que as aventuras do “Príncipe Valente”, de Hal Foster, aparecerão pela primeira vez em Portugal. “Tommy, o Rapaz do Circo” merece uma referência especial pela qualidade do seu traço, da autoria de John Lehti. Os enredos também não falhavam quanto à sua potencialidade literária. O desenhador de craveira que era Eduardo Teixeira Coelho, continua a oferecer-nos elevados resultados na contínua procura e concretização das suas potencialidades de desenhador e oferece-nos novas aventuras: “Sigurd, o Herói”, “A Lei da Selva”, um dos seus melhores trabalhos, “A Morte do Lidador”, “O Defunto”, “Lobo Cinzento”… Aparecem mais alguns artistas portugueses a colaborar na revista, infelizmente menos conhecidos, como são o caso de Monteiro Neves e, mais tarde, Ilberino dos Santos. Ruy Manso e Servais Tiago também já tinham colaborado na revista.
AS HISTÓRIAS DE HUMOR
Não queremos deixar de fazer um pequeno parêntesis para lembrar as histórias de humor de uma única página que “O Mosquito” publicou ao longo da sua existência, da autoria de grandes desenhadores, a começar pelo próprio António Cardoso Lopes (Tiotónio) e acabando em Cabrero Arnal, passando por Arturo Moreno e os irmãos Adriano e Jesús Blasco. Todos eles desenhadores de sucesso, souberam imprimir aos seus trabalhos de uma página um verdadeiro manancial de alegria e divertimento para todos os leitores daquela publicação. Evidentemente que a revista dava lugar também ao humor em algumas histórias de continuidade, embora não descurasse as de aventuras, qualquer que fosse o seu género.
A partir do seu número 1201, a revista reduz de novo o seu formato para metade, apresentando mais um excelente trabalho de ETC, “Os Doze de Inglaterra”, agora recuperado e editado em álbum. Nesta fase há uma procura de novas personagens para serem publicadas, de modo a despertar e a renovar um maior interesse pela revista. Surgem assim “Lesley Shane”, de Oliver Passingham, “Jed Cooper”, de Dick Fletcher, “Rex Morgan”, de Bradley e Edington, “Garth”, de Steve Dowling, e “Terry e os Piratas”, de George Wunder. As histórias de origem inglesa com novas personagens iniciam-se neste período, talvez já com um pouco de menor qualidade. É nesta fase, e no início de 1952, que surgirá um novo desenhador português a colaborar na revista. Trata-se de José Ruy, autor de capas e também de uma nova história de Banda Desenhada, intitulada “O Reino Proibido”. Será este artista que irá lançar mais tarde uma segunda edição desta revista, da qual serão publicados 30 números, na expetativa de conquistar novos leitores. Infelizmente tal não se veio a verificar.
Um novo grafismo e um novo formato A4, virá ajudar a revista a apresentar-se com maior aspeto e melhor apresentação. Ainda que esbracejando nesta fase da sua agonia, pouco ou quase nada era possível fazer para salvar a publicação. O fim aproximava-se. As novas personagens irão manter-se e Eduardo Teixeira Coelho continuará a surpreender-nos com as suas histórias, desta vez com adaptações das obras de Eça de Queirós, “A Aia”, “O Tesouro” e “S. Cristóvão”, mas com arranjos de Raul Correia. Via-se que estes dois artistas tentavam impulsionar a revista com todas as suas potencialidades criativas. Todavia a publicação tinha chegado ao fim… mas as histórias não, pois ficariam incompletas. No entanto, e ainda que o seu papel estivesse terminado, não deixaria de ser uma caso único na História da Banda Desenhada Portuguesa, ao tornar-se um marco nesse campo e rivalizando com muitas outras publicações do género, não só pelo seu grande valor artístico como pelo didático.
O GRAFISMO DO “INSECTO” MOSQUITO
Um dos factos curiosos desta revista é a sua evolução e a sua continuidade, na procura da perfeição e no desejo de cativar os leitores durante os anos da sua publicação. Será assim com um pequeno grafismo, mas que será aquele que irá dar nome à revista e sustentá-la de uma forma digna e artística.
Estamos a falar da figura do mosquito, que se inicia também no nº.1 da revista, encontrando-se no canto inferior esquerdo. É da autoria de António Cardoso Lopes. No nº. 2 vamos encontrá-lo de maneira diferente, desta vez no canto superior esquerdo, depois irá alterando o local de exposição, até desaparecer a partir do nº. 30, voltando de novo, desta vez a partir do nº. 201, e assim se manterá até ao 317. No nº. 318 o seu formato é menor. A partir do nº. 360, altera de desenhador e de aspeto, a montar um cavalo de pau, pois passa a ser criado por ETC. Esta imagem irá ser a escolhida para um dos emblemas de lapela, que a revista criará para os seus leitores. O outro emblema (haverá dois) terá o mosquito a empunhar um chapéu.
Ao longo dos números a figura do simpático inseto vai mudando de grafismo. No nº. 390 surge de laço e cartola. Depois, vai de novo alterando a sua imagem, transformando-se num ardina a vender a revista, até que desaparece de novo a partir do nº. 537. Depois volta, a partir do nº. 642. No 681, devido à mudança de formato da revista para maior, o boneco sofre alterações… é um condutor de automóveis. Depois toca viola. E com várias alterações vai-se mantendo pelas capas até ao nº. 1201, com novo formato, mais uma vez reduzido para metade. No nº. 1373 temos um formato maior, que se irá manter até ao fim da publicação da revista, com mais novos grafismos no que respeita ao boneco, inclusive montado num burro, até acabar por desaparecer.
AS CONSTRUÇÕES DE ARMAR
Desde o início do século XX que algumas revistas infantis portuguesas resolveriam incluir nas suas páginas suplementos que apresentavam uma grande variedade de temas, desde jogos, passando por bonecos articulados, uniformes, figuras de animais, folhetos de propaganda, cupões de concursos, figuras para recortar, calendários, presépios, bonecos/bonecas, com os seus fatos ou vestidos, e mais tarde as Construções de Armar. Todas elas acabariam por ser um fator importante no sucesso da publicação, pois havia sempre alguns leitores que estavam à espera delas para as construírem e divertirem-se.
A primeira revista a incluir esse material nas suas páginas em Portugal seria “O Gafanhoto”, de 1903. Seguem-se o “ABC-zinho”, em 1921, o “Cócórócó”, em 1928, o “Tic-Tac”, em 1932, o “Senhor Doutor”, no ano seguinte, “O Papagaio”, em 1935, e finalmente “O Mosquito”, em 1936, e desde os seus primeiros números. Algumas construções que “O Mosquito” oferece aos seus leitores são de uma qualidade inquestionável, não só pela qualidade da sua conceção e desenho, como pela beleza e interesse. “Um Cruzador”, “Mobília de Bonecas”, “Aviões”, “Carros”, “Um Castelo”, “A Torre de Belém”, “Praça de Touros de Lisboa”, ”Presépios”, cupões de concursos, retratos de artistas de cinema, concurso de selos com artistas de cinema, “Índios e cow-boys”, etc… Seria um manancial de “brinquedos” para gáudio dos leitores da revista. As primeiras construções são impressas a uma cor, outras a preto e branco, mas mais tarde já serão coloridas, o que irá salientar o seu interesse e também a sua apresentação. Todas estas construções eram concebidas e desenhadas por pessoas igualmente ligadas às artes gráficas e arquitetura, como será o caso de Tiotónio, ETC, Vicente Ribeiro, Monteiro Neves, Rocha Vieira, Américo Taborda, A. Velez, etc.