ANTOLOGIA DE CONTOS DE ACÇÃO

A NOITE DO ANO NOVO – 2

por Johnston McCulley

Mark of Zorro - Douglas FairbanksApresentamos hoje a 2ª parte do conto “A Noite do Ano Novo”, escrito por Johnston McCulley, autor da célebre novela “O Sinal do Zorro” (que o cinema adaptou, pela primeira vez, em 1920, definindo, desde então, o aspecto icónico do personagem) e publicado n’O Mosquito entre os nºs 1051 e 1054 (1949), com tradução de Raul Correia.

Resumo: o Ranger Pat Malloy chega a Copper City nas vésperas do Ano Novo, para visitar a sua noiva, e logo é informado pelo pai desta que a cidade poderá tornar-se um inferno quando começarem os festejos, à meia-noite, devido à presença de dois bandos rivais, um deles chefiado pelo desordeiro Bart French.

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II

DEPOIS da ceia, Malloy saiu. O luar iluminava a cidade. Do saloon de Lopez vinha uma algazarra de vozes enrouquecidas. Pat parou à porta, na sombra. E reconheceu, nos vultos que passavam em frente da luz amarelada e obscurecida pelo fumo, as caras de vários brush-poppers que entravam e saíam.

Malloy entrou nos armazéns da Companhia Mi­neira. Tom Dell, o chefe dos armazéns, ajudado por um dos empregados, atendia alguns clientes, poucos. Quando o Ranger entrou, alguns dos homens pareceram sentir-se subitamente pouco à vontade e saíram.

— Esta noite deve haver sarilho!… — sussurrou Dell ao ouvido do Ranger, quando ficaram sós. — O Bart French está na cidade, e com ele uma quan­tidade de brush-poppers!  French tem andado para aí a ameaçar o Ed Catlin… diz que ele pensa que a Companhia é dona da terra! E também ameaçou um tal Ranger… que é você!

— Bem sei… — respondeu Pat, tranquilamente. — E a respeito de Pedro Lopez?

— Lopez e os outros donos de saloons estão do lado da Lei! Não querem complicações!

Malloy saiu do armazém e encaminhou-se ao longo da rua escura, de olhos e ouvidos atentos. Foi assim que surpreendeu uma conversa entre dois brush-poppers.

— O Bart tem tudo bem preparado! Com as salvas do Ano Novo… pode acontecer um acidente ao Ed Catlin! Nenhum risco… e o Ranger também pode apanhar por engano! Entendes? É a melhor oportunidade!

Pat seguiu o seu caminho, reflectindo sobre o que ouvira. Ed Catlin, o gerente da Companhia Mineira, vivia fora da cidade, numa casa pequena. Era solteiro e uma squaw índia constituía todo o seu pessoal doméstico. O Ranger dirigiu-se para lá.

Catlin, que tinha acabado de cear, recebeu o Ranger com satisfação. Foi buscar uma garrafa de whisky e dois copos, e acenderam-se cigarros.

— Ouvi dizer que preparam sarilhos para esta noite! — disse Catlin, em voz calma.

— Também ouvi isso! — respondeu Malloy. Con­tou o que tinha sabido e concluiu:

— Parece-me que o melhor é você ficar por aqui esta noite! Cerca da meia-noite, eu volto cá e bebe-se mais um whisky

— Nada feito, amigo! É costume da Companhia pagar um copo a toda a gente na cidade que queira beber! Sempre fiz isso, Pat, e não é hoje que vou mudar de hábitos!

— Compreendo o que quer dizer, Ed! Mas, por esta vez…

Catlin abanou a cabeça… — Pensariam que eu sou um cobarde, Pat! E isso seria mau para mim e para a Companhia!

— Mas, visto que há perigo…

— E você, Pat? Vai-se esconder?

Malloy sorriu… — Claro que não! Mas o meu dever de Ranger

— Eu também tenho o meu dever a cumprir, amigo! Estou aqui a representar a Companhia! Você quer que pensem que eu não sou digno do lugar que ocupo?

— Não, Catlin! Mas…

— Então, não se fala mais nisso! Vou fazer o que sempre fiz nos outros anos, e o que for… será!…

Pat levantou-se para sair.

— Então leve um revólver, amigo! E quando o tiroteio começar… fique alerta e não se mostre mais do que o que for preciso! Eu vou andando!

Malloy voltou à cidade e entrou no primeiro saloon. Falou ao dono da casa, conversou com vários conhecidos e observou a assistência. Muitos dos homens que ali se encontravam eram brush-poppers. Pareciam nervosos, como quem espera alguma coisa que sabe que acontecerá… alguma coisa grave ou perigosa. O Ranger saiu e encami­nhou-se ao longo da rua. No segundo saloon havia também brush-poppers, mas um grupo de mineiros estava encostado ao balcão. Mais umas doses de álcool… e os dois bandos estariam pron­tos a lançar-se um sobre o outro…

Pat Malloy dirigiu-se para o saloon de Pedro Lopez, caminhando entre dois barracões que esta­vam separados por uma estreita ruela. Dando a volta, espreitou pela janela das traseiras do saloon. A casa estava cheia. Mineiros e brush-poppers olhavam-se com desconfiança e ódio, mas tudo parecia ainda relativamente calmo. Bart French estava encostado ao balcão. O Ranger entrou.

French era um homem alto e forte. Era visível que tinha já bebido considerável quantidade de álcool. Quando o Ranger abriu caminho até ao balcão, um silêncio pesado foi pouco a pouco substituindo o rumor das conversas. French olhou para o espelho, avistou Malloy e voltou-se lenta­mente, com um copo de whisky na mão.

— Hello, French!

— Hello, Ranger!

— French, você deve estar lembrado de um caso que se passou aqui, há uns dois anos…

— Não me esqueci, não! Dessa vez estive preso… por sua causa! Não me esqueci disso!

— Contava que não se esquecesse! Você não é daqueles que suportam a cadeia! Foi pouco tempo… mas pense no que será estar preso… durante anos!

— Que conversa é essa? Nós estamos aqui para festejar o Ano Novo!

— Com certeza, Bart! Vamos todos festejar o Ano Novo… mas é preciso que a festa seja tranquila e decente! Não esqueça que, depois do caso de há dois anos, a Companhia pagou as despesas de construção de uma cadeia sólida… e que eu tenho as chaves! Cuide de si, Bart!

Bart French respirou fundo, com os olhos a chamejar. Via-se que fazia um esforço para se dominar. Malloy fitou-o calmamente, voltou-lhe as costas e saiu do saloon, no seu passo tranquilo.

 (Continua)

 

GRANDES AUTORES – 1

ALEJANDRO BLASCO E O GATO MORRONGUITO

Nota: Publicamos o nosso primeiro post em conjunto com o blogue Gatos, Gatinhos e Gatarrões, para celebrar o 86º aniversário do nascimento de um grande dibujante de histórias aos quadradinhos, bem conhecido dos leitores d’O Mosquito e do Diabrete, na segunda metade dos anos 40. Às imagens, acrescentámos duas páginas d’O Mosquito, para dar também uma amostra do estilo realista deste desenhador.

Alejandro Blasco nos anos 40Alejandro Blasco (1928–1988), foi um autor de historietas e ilustrador espanhol, célebre pelo trabalho realizado em conjunto com os seus irmãos Jesús (1919-1995) e Adriano Blasco (1931-2000). Muito novo ainda, serviu de modelo para o herói Cuto, protagonista da famosa série do seu irmão Jesús, publicada nas revistas Boliche e Chicos.

Alejandro iniciou a sua carreira em 1943 no semanário para meninas Mis Chicas (uma revista com BD e ilustrações, editada em San Sebastian por Consuelo Gil), onde já trabalhava a sua irmã Pilar. Entre 1941 e 1950, Mis Chicas publicou 407 nú- meros, sendo a primeira revista feminina do pós-guerra espanhol e, durante muitos anos, a única. lote_48458_2Foi nas suas páginas que surgiu, em estilo humorístico, a primeira criação de Alejandro Blasco: as aventuras de mais um gato antropomórfico, com o curioso nome de Morronguito.

Segundo Salvador Vázquez de Parga, eminente crítico, ensaísta e historiador de tebeos (a BD publi- cada em Espanha), tanto o seu estilo como o do seu irmão mais novo Adriano “acusavam as influências de Anita Diminuta [outra famosa personagem criada por Jesús Blasco] e das histórias de Angel Puigmiquel, assim como, remotamente, das de Walt Disney.

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A série teve grande êxito e, em 1945, saiu o álbum intitulado Una aventura de Morronguito en el Río de Perlas. Embora, no vídeo que seguidamente apresentamos, seja atribuída também a Adriano a autoria de Morronguito, essa dupla ‘paternidade’ nunca foi confirmada. Adriano colaborou, de facto, em Mis Chicas, mas com outras histórias também de estilo caricatural, antes de seguir as pisadas dos irmãos mais velhos, trocando, com êxito, a BD humorística e infantil pela BD de aventuras.

Realmente, um ano antes (1944), confirmando essa vocação, Alejandro tinha-se estreado na revista Chicos, onde realizou inúmeras historietas de aventuras de grafismo realista, com argumentos do prolífico José Maria Canellas Casals, tais como Dardo Amarillo, Polícia Montada, Por Tierras de Emoción, El Idolo del Lago, Titanes en Polo Norte, Zimbra el Gigante de Hierro ou El Corsario X, publicadas também nos dois títulos mais emblemáticos da BD portuguesa dessa época: O Mosquito e o Diabrete.

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A partir de 1947, Alejandro começou a trabalhar em conjunto com Adriano e Jesús, continuando a colaborar individualmente em títulos como El Coyote e Alcotán (dessa produção, já com um traço mais amadurecido, há alguns exemplos no Mundo de Aventuras). Dez anos mais tarde, os três irmãos, unidos por profundos laços familiares e profissionais, montaram um estúdio numa residência de três andares, próximo da ponte de Vallcarca (zona norte de Barcelona), os três Blasco copydedicando-se à produção de BD para o mercado europeu, sempre com a assinatura do irmão mais velho.

Na verdade, como referiu Vásquez de Parga, é difícil avaliar qual terá sido a exacta participação de Alejandro e Adriano na obra de Jesús Blasco para os editores de outros países, sobretudo britânicos e italianos; mas ambos foram, sem dúvida, mais do que simples ajudantes do irmão, a quem confiaram a direcção e coordenação da equipa, sempre coesa até ao seu desaparecimento, com poucos anos de intervalo. É dos raros exemplos de uma família de artistas com um trajecto comum, singular e solidário, partilhado na mesma casa, durante muito tempo.

As peripécias de Morronguito foram publicadas em Portugal, em historietas de uma página, n’A Formiga, suplemento d’O Mosquito dedicado às meninas, que “viveu” até ao nº 180. Temos duas páginas, oriundas dos números 155 e 157, para vos oferecer, assim como outra que encontrámos na Net, reproduzida do álbum “Morronguito en el Rio de Perlas”.

Morronguito em A Formiga nº155 e 157Morronguito P&B

 

“O MOSQUITO” EM 1943 – 3

Os progressos d’O Mosquito eram maiores de número para número, graças não só ao seu recheio, com destaque para as histórias aos quadradinhos — algumas das quais estavam em publicação há vários meses, como “Ao Serviço da Lei” e “O Capitão Ciclone” —, mas também ao vistoso aspecto gráfico, do qual E. T. Coelho era o principal responsável.

O mês de Fevereiro de 1943 trouxe algumas novidades, embora o maior relevo fosse para a trepidante novela “Aventuras de Jim West”, uma das mais longas saídas da fértil imaginação de Raul Correia, e para as capas que em todos os números lhe eram dedicadas — algumas curiosamente com legendas, realçando vários tópicos da acção. E. T. Coelho estava, de facto, no melhor da sua forma, a desenhar cavalos e combates com os índios, como se o Far-West fosse um dos seus temas favoritos!jim-west-ilustrac3a7c3a3o0011

Mas a extensão da novela, muito acima da média, afastou momentaneamente das páginas da revista dois dos seus principais colaboradores literários: Lúcio Cardador e Orlando Marques, cujo regresso teria de aguardar mais algumas semanas. Talvez alguns leitores lamentassem a sua ausência, mas a larga maioria não devia queixar-se, pois poucas vezes O Mosquito publicara uma novela tão em- polgante como “Aventuras de Jim West” e, ainda por cima, magistralmente ilustrada. De futuro, essa fórmula iria tornar-se mais duradoura com o advento de um novo escritor, José Padinha, dotado de original veia criativa, e o regresso de um outro que já dera provas de sobejo talento na fase anterior, de formato maior: Roberto Ferreira.

No nº 379, de 10/2/1943, era dado especial destaque a outra eloquente resposta do Avozinho ao “Poeta Vagabundo”, por causa do seu pedido de “madrinhas de guerra”, numa página ilustrada a preceito por E. T. Coelho, com um friso de gentis raparigas.

mosquito-a-propc3b3sito-de-uma-cartaNo nº 381, uma breve nota anunciava o falecimento de Sérgio Luiz, jovem desenhador cheio de talento que começara tempos antes a fazer carreira n’O Papagaio, tal como seu irmão Güy Manuel, que a morte havia de arrebatar também, seis meses depois. Pelo punho de Raul Correia (embora a nota não estivesse assinada), O Mosquito lamentava esse desaparecimento, em tom de comovida homenagem, referindo-se àquele que fora seu colaborador ocasional como “um irmão de armas, um espírito gentilíssimo (…) que continuará a viver sempre entre nós, na nossa memória e na nossa saudade, pela sua obra tão breve quanto luminosa”.

No nº 382, de 20/2/1943, chegou ao fim a curta aventura “Um Detective de 15 Anos”, ilustrada por Arthur Mansbridge, para dar lugar no número seguinte a outra história de origem inglesa, “Nas Montanhas da Índia”, de um autor desconhecido, cujo traço elegante e minucioso fazia boa figura ao lado das magníficas criações de Henry M. Brock, Hilda Boswell e Thomas Heath Robinson, que O Mosquito continuava, com grande êxito, a publicar

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GRANDES SÉRIES PARA (RE)LER E RECORDAR

MAIS EPISÓDIOS DE UMA FAMOSA SÉRIE

INGLESA NO “FANDAVENTURAS” ESPECIAL

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Imparável na sua actividade de faneditor — apesar de alguns problemas de saúde, de que já está felizmente recuperado —, José Pires acaba de nos brindar com mais dois volumes da saga “O Gavião dos Mares”, uma série clássica inglesa dos anos 30 magistralmente ilustrada por Walter Booth, pioneiro da BD de aventuras em estilo realista, que em 1920, muito antes de qualquer outro artista do seu género, criou a primeira longa série de aventuras com um herói titular: Rob the Rover.

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Estes novos volumes da epopeia marítima “O Gavião dos Mares” (outra das suas obras- -primas) reproduzem, curiosamente, um episódio passado em terra, com o título original For the King (“Pelo Rei!”), cuja acção se desenrola na época da guerra civil inglesa entre os “Realistas”, partidários do ocupante do trono, Carlos I, e os “Puritanos”, seguidores de Oliver Cromwell, também conhecidos pelo nome de “Cabeças Redondas”.

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Publicada em 1935-36 no célebre semanário inglês Puck, onde se estrearam também outras famosas séries de Walter Booth, como Rob the Rover e Captain Moonlight, esta segunda e extensa parte de “O Gavião dos Mares” (Orphans of the Sea) tem outra particularidade curiosa, no que se refere à sua publicação em Portugal, pois quase duas dezenas de páginas não apareceram n’O Mosquito, entre 1941 e 1942, devido às contingências da guerra que assolava, então, grande parte do continente europeu.

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Essas páginas inéditas que os leitores d’O Mosquito foram privados de ler — embora sem se aperceberem, graças à habilidade narrativa com que Raul Correia traduzia e adaptava as legendas, compondo à sua maneira a acção das sequências incompletas —, estão presentes nos dois volumes do Fandaventuras Especial postos agora à venda, e que poderão ser directamente encomendados ao seu editor pelo e-mail gussy.pires@sapo.pt.

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Cada fascículo desta magnífica obra, impressa em bom papel, com cerca de 70 páginas — que foram objecto de um meticuloso trabalho de restauro, a partir de exemplares do Puck e de cópias obtidas na British Library —, custa apenas 10 €. Muito em breve, segundo nos informa José Pires, será também distribuído o 6º volume, com a última parte de “O Gavião dos Mares”, intitulada “O Cruzeiro do Sea Hawk” (The Cruiser of the Sea Hawk).

Uma série de grande qualidade a não perder, com o primoroso traço de Walter Booth, numa espectacular edição que José Pires levou a cabo em tempo recorde, concretizando, assim, um dos seus maiores sonhos como leitor da “época de ouro” d’O Mosquito.

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