O PRESÉPIO NAS CAPAS DE NATAL – 1

Nos números natalícios das revistas infanto-juvenis portuguesas dos anos 1950, o Presépio foi sempre um dos principais temas de capa. Desde as imagens mais tradicionalistas às mais pitorescas e de cunho mais original, pelo traço de grandes ilustradores como Eduardo Teixeira Coelho, Fernando Bento, Vítor Péon, Júlio Gil e outros, essa galeria de capas de Natal, de indelével beleza artística, teve o condão de cativar os olhos e o espírito de muitos rapazes e raparigas da minha geração que liam assiduamente O Mosquito, o Diabrete, o Mundo de Aventuras, o Cavaleiro Andante e outras revistas dessa época.

Aqui têm, com as luzes do Presépio a iluminar a noite santa onde brilha a estrela de Belém, o primeiro desses “tesouros natalícios” de que conservo gratas memórias: uma capa ilustrada por Fernando Bento para o número duplo com que o Diabrete celebrou o seu último Natal na companhia dos jovens portugueses (#885-886, de 22/12/1951).

Sempre que abordou temas de Natal (e fê-lo muitas vezes, desde o início da sua carreira), a magia artística de Fernando Bento deu provas de invulgar fulgor criativo.

A HISTÓRIA DO PRESÉPIO EM BD

Numa quadra tão especial e tão festiva como a do Natal, cujo símbolo mais consagrado é o Presépio, não deve haver melhor exemplo do significado profundo do tema da Natividade e da mensagem redentora que esta fez chegar a todo o mundo e ao coração de muitos homens, através de imagens tão enternecedoras como a da Sagrada Família, com o Menino Jesus nos braços de Sua Mãe ou deitado num berço de palhas, numa humilde manjedoura.

A história que seguidamente apresentamos, O Poverello e o Presépio de Greccio“, com a assinatura de dois mestres da BD franco- -belga, Yves Duval (texto) e William Vance (desenhos), foi publicada no número de Natal do Camarada, 2ª série, 6º ano, dado à estampa em 28 de Dezembro de 1963, com uma bela capa de Júlio Gil, e narra a cruzada de dois frades mendicantes (um deles chamado Francisco de Assis) e de outros homens de boa vontade, que há mais de oito séculos levaram a cabo uma missão cheia de fé, acendendo pela primeira vez, na noite escura da Idade Média, as luzes do Presépio de Natal.

No Tintin belga, onde Vance iniciou em 1962 a sua brilhante carreira, este episódio surgiu no nº 52, de 25 de Dezembro desse ano, com o título Le Poverello et la Crèche de Greccio”.

Il poverello 3 e 4

Noutro número de Natal do Camarada, este de 1958 — ano do lançamento da 2ª série da revista da Mocidade Portuguesa, dirigida por Marcelo de Morais —, a história da criação do Presépio foi ilustrada por um grande desenhador português, cujos magníficos trabalhos recheiam muitas revistas da chamada “época de ouro”, como O Mosquito e o Camarada, e que ainda hoje, apesar dos seus 89 anos, continua cheio de projectos.

Pelo traço harmonioso de José Garcês, “Aquele Rapaz de Assis”, título do episódio que podem visionar a seguir, conta outra versão de um acontecimento que as lendas e as narrativas históricas atribuem a S. Francisco, o humilde monge que trocou a riqueza, a boémia e a companhia dos mais afortunados pela autêntica doutrina de Jesus Cristo, tornando-se um dos mais fervorosos apóstolos da caridade e do amor ao próximo.

O NATAL NA ARTE DE E.T. COELHO

Mais uma ilustração de Eduardo Teixeira Coelho, no seu estilo de clássica beleza, publicada num número especial d’O Mosquito, como alegoria natalícia de um versículo do Novo Testamento — e de um poema do seu director Raul Correia, cuja personalidade lírica se confundiu sempre com a do mítico Avozinho, o poeta de “alma triste e coração feliz”, idolatrado por muitos jovens que liam avidamente “o melhor jornal para rapazes de todos os tempos” (ou, pelo menos, dos anos 30 e 40 do século XX).

UMA REVISTA BEM PORTUGUESA COM O NOME DE “CAMARADA”

EXPOSIÇÃO SOBRE O “CAMARADA” (1ª SÉRIE) NA BIBLIOTECA NACIONAL

Nota: esta mostra está patente na Biblioteca Nacional desde o passado dia 28 de Novembro e será encerrada em 30 de Dezembro, podendo, portanto, ser ainda visitada durante a próxima semana.

Vem a propósito lembrar que o Camarada (1947-1951) foi lançado há 70 anos, em 1 de Dezembro de 1947, mas em moldes muito diferentes da restante imprensa infanto- -juvenil, encabeçada pel’O MosquitoO Papagaio e o Diabrete, pois enquanto que nestes títulos a colaboração estrangeira era maioritária, o Camarada — editado pela Mocidade Portuguesa e destinado quase em exclusivo aos centros escolares onde esta organização do Estado Novo estava presente — fazia gala de uma plêiade de autores portugueses, tanto literários como artísticos.

Embora de início tivesse dado pouco destaque à banda desenhada, o Camarada conseguiu conquistar gradualmente a afeição do público juvenil, chegando, com altos e baixos, ao nº 133, na 1ª série. Entre os seus valiosos elementos artísticos contam-se alguns dos mais genuínos representantes de uma nova geração da BD portuguesa, cujo vanguardismo começava a aflorar, assimilando o de outras criações europeias: Júlio Gil, Marcello de Morais, António Vaz Pereira, Bastos Coelho, Carlos Alberto, Nuno San-Payo, José Leal, todos ainda muito jovens e em início de carreira.

Mas no Camarada também se destacaram dois desenhadores de nomes já consagrados, Vítor Péon e José Garcês, oriundos d’O Mosquito, a principal publicação da concorrência, assim como um jovem e talentoso Artur Correia, que se estreara pouco tempo antes n’O Papagaio e se tornaria um dos maiores mestres da BD humorística portuguesa.

Portanto, esta exposição, comissariada por João Mimoso e Carlos Gonçalves, membros do Clube Português de Banda Desenhada **, merece a visita de quem se interessa pelas revistas infanto-juvenis — expoentes de uma cultura popular que ajudou a formar gerações — e pelas diferentes “escolas” que as marcaram em meados do século XX, com relevo para a que nasceu nas páginas do Camarada, dando oportunidade a um grupo de novos desenhadores (na sua maioria estudantes de Arquitectura, carreira que alguns deles optariam por seguir) de se afirmarem indelevelmente no panorama das histórias aos quadradinhos e das artes gráficas em geral. 

Aqui ficam, para memória futura, as quatro páginas que constituem a “FOLHA DE SALA” desta notável exposição (onde podem ser apreciados vários originais e outras peças raras), com texto de João Mimoso e Carlos Gonçalves.

** Na sede do CPBD (Amadora) está patente, desde o passado sábado, 16 de Dezembro, outra exposição sobre o Camarada, que engloba as suas duas séries.

CANTINHO DE UM POETA – 39

Eis mais um poema de Raul Correia, com uma ilustração de Jobat e publicado no Jornal do Cuto nº 19, de 10/11/1971, em cujo teor lírico e triste se espelha a influência de Gomes Leal, Guerra Junqueiro, António Nobre e outros poetas do século XIX que marcaram profundamente a obra do inspirado Avozinho d’O Mosquito.

Mais tarde (1949-1951), numa rubrica chamada Antologia o próprio Avozinho se encarregou de fazer uma selecção dos seus escritores e poetas favoritos, dando-lhes também lugar de destaque nas páginas d’O Mosquito, cujos leitores travaram assim conhecimento com alguns dos maiores nomes da literatura portuguesa.