MEMÓRIAS À VOLTA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS (POR JOSÉ RUY) – 5

Com a técnica de utilizar modelos vivos para as personagens das histórias em quadrinhos, que o Eduardo Teixeira Coelho me incutiu, utilizava os colegas da secção de Rotogravura e Offset do Diário de Notícias, onde trabalhava. Quase todos manifestavam o desejo de entrar nas histórias.

Na vida de «Guntenberg» que desenhei para um Número Especial do Cavaleiro Andante, além do Rodrigo, que mostrei no artigo anterior, o Fernando Amorim, transportador-gravador de Rotogravura, serviu para uma personagem.

O seu papel foi o de um rico financiador de Gutenberg. A adaptação à época, século XV, fez-me acrescentar-lhe cabelo. E os voluntários começaram a afluir. Também o transportador de Offset, Fernando Lança, personalizou uma figura.

A este amigo coube-lhe o papel de um dos colaboradores de Gutenberg, que tiveram de fugir para França, por causa da guerra, quando a oficina do mestre foi destruída pelos canhões, arma inventada também nessa época.

Claro que tive de fazer algumas alterações: eliminei os óculos e acrescentei uma barba rala, e com o cabelo num corte diferente.

Continuei a colaborar nos Números Especiais [do Cavaleiro Andante], com algumas histórias que se completavam numa página.

Passados 22 anos, em 1976, o meu amigo Jorge Magalhães (que coordenava a revista Mundo de Aventuras) republicou esta história [na edição mensal, em formato A4]. Mas como então eu passara a compreender a vantagem de incluir balões com legendas, para uma melhor dinamização da narrativa, alterei o aspecto das páginas.

Nova versão de “Gutenberg”, com balões, publicada no Mundo de Aventuras Especial nº 13 (Dezembro de 1976)

Passei a escrever as legendas manualmente, o que também prefiro, para que o texto tenha uma maior ligação com o desenho. O Mundo de Aventuras era impresso em Offset, por isso não mantive os esbatidos da Rotogravura.

Mas só em 1956, dois anos depois da publicação da história de Gutenberg, comecei a colaborar na revista semanal Cavaleiro Andante, sem interrupção, até meados de 1959.

Foi com a adaptação do romance «Ubirajara», da autoria do autor brasileiro José de Alencar. Há a assinalar aqui uma curiosidade, que vos conto de seguida.

Esta é a capa do Cavaleiro Andante nº 220, a anunciar a história que se desenrolava no seu interior, publicada em 1956, e ao lado o original, que na altura desaparecera na oficina. Era comum não ligarmos aos desenhos originais das histórias, pois não pensávamos poder utilizá- -los uma segunda vez. E o insólito vem a seguir:

Este original apareceu recentemente, num anúncio de uma galeria de Paris, à venda por 400 €. Foi o meu amigo Leonardo De Sá quem descobriu.

Servia-me de modelo para as figuras musculadas, e portanto utilizei, para esta personagem de índio sul-americano, um vendedor de leite, que nessa época ia porta a porta, com as bilhas de zinco, fornecer diariamente meio litro ou metade de meio litro desse alimento.

À noite ia ao atelié montado em minha casa, servir-me de modelo. Pagava-lhe 4$00 à hora, o que na altura era compensador. A revista pagava 250$00 por cada página ou capa.

Muitos anos mais tarde, em 1982, e também pela mão do Jorge Magalhães, a Editorial Futura republicou esta história em livro e realizei uma pintura para a nova capa, mas mantendo a composição da que saíra no Cavaleiro Andante, embora com mais dinamismo, com a experiência entretanto adquirida nos 32 anos que mediaram a publicação.

Mas, enquanto na primeira versão a pontaria de «Ubirajara» para ferir o crocodilo foi num olho e numa axila, as partes mais vulneráveis deste animal, na segunda, por uma questão de sensibilidade, para não chocar os leitores, escolhi um intervalo na carapaça, entre espáduas, embora com menor probabilidade de êxito para ferir mortalmente o sáurio. 

A editora iniciou com esta história a colecção «Antologia da BD Portuguesa» [neste álbum, com 64 páginas, foram reeditadas também «A Vida de Gutenberg» e duas outras histórias de José Ruy publicadas no Cavaleiro Andante: «A Mensagem» e «Na Pista dos Elefantes»].

No próximo artigo: «A Mensagem» e outras histórias que fiz para o Cavaleiro Andante.

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